“amigo,
pra mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o
igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo”.
“Acho
que o espírito da gente é cavalo que escolhe estrada: quando ruma para tristeza e morte, vai não
vendo o que é bonito e bom.”
“A
gente vive, eu acho, é mesmo para se desiludir e desmisturar.”
“...
que, quando um tem noção de resolver a vender a alma sua, que é porque ela já estava
dada vendida, sem saber; e a pessoa
sujeita está só é certificando o regular dalgum velho trato – que já se vendeu
aos poucos, faz tempo?”
“Ah,
para o prazer e para ser feliz, é que é preciso a gente saber tudo, formar
alma, na consciência; para penar, não se
carece: bicho tem dor, e sofre sem saber
mais porque. Digo ao senhor: tudo é pacto.
Todo caminho da gente é resvaloso.
Mas, também, cair não prejudica demais – a gente levanta, a gente sobe,
a gente volta!”
“Mas,
para mim, o que vale é o que está por baixo ou por cima – o que parece longe e
está perto, ou o que está perto e parece longe.
Conto ao senhor é o que eu sei e o senhor não sabe; mas principal quero contar é o que eu não sei
se sei, e que pode ser que o senhor saiba.”
“O
senhor tolere minhas más devassas no contar.
É ignorância. Eu não converso com
ninguém de fora, quase. Não sei contar
direito. Aprendi um pouco foi com o
compadre meu Quelemém; mas ele quer
saber tudo diverso: quer não é o caso
inteirado em si, mas a sobre-coisa, a outra-coisa. Agora neste dia nosso, com o senhor mesmo –
me escutando com devoção assim – é que aos poucos vou indo aprendendo a contar
corrigido.”
“O
senhor espere o meu contado. Não convém
a gente levantar escândalo de começo, só aos poucos que o escuro é claro.”
“Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da
travessia.”
“Ah,
mas falo falso. O senhor sente? Desmente?
Eu desminto. Contar é muito,
muito dificultoso. Não pelos anos que já
se passaram. Mas pela astúcia que tem
certas coisas passadas – de fazer balancê, de se remexerem dos lugares. O que eu falei foi exato? Mas teria sido? Agora, acho que nem não. São tantas horas de pessoas, tantas coisas em
tantos tempos, tudo miúdo recruzado.”
“O
senhor sabe? Já tenteou sofrido o ar que
é saudade? Diz-se que tem saudade de
idéia e saudade de coração.”
“Comigo,
as coisas não tem hoje e ant’ontem
amanhã: é sempre. Tormentos.
Sei que tenho culpas em aberto.
Mas quando foi que minha culpa começou?
O senhor por ora mal me entende, se é que no fim me entenderá. Mas a vida não é entendível.”
“A lembrança da vida da gente se guarda em
trechos diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns com os outros acho
que nem não misturam. Contar seguido,
alinhavado, só mesmo sendo as coisas de rasa importância. De cada vivimento que eu real tive, de
alegria forte ou pesar, cada vez daquela hoje vejo que eu era como se fosse
diferente pessoa. Sucedido
desgovernado. Assim eu acho, assim é que
eu conto. O senhor é bondoso de me
ouvir. Tem horas antigas que ficaram
muito mais perto da gente do que outras, de recente data. O senhor mesmo sabe.”
“Não
devia de estar relembrando isto, contando assim o sombrio das coisas. Lenga-lenga! Não devia de. O senhor é de fora, meu amigo mas meu
estranho. Mas talvez por isto
mesmo. Falar com o estranho assim, que
bem ouve e logo longe se vai embora, é um segundo proveito: faz do jeito que eu falasse mais mesmo
comigo. Mire veja: o que é ruim dentro da gente, a gente
perverte sempre por arredar mais de si.
Para isso é que o muito se fala?
“Assaz
o senhor sabe: a gente quer passar um
rio a nado, e passa; mas vai dar na
outra banda é num ponto muito mais em baixo, bem diverso do que em primeiro se
pensou. Viver nem não é muito perigoso?”
“Ser
dono definitivo de mim, era o que eu queria, queria.”
“Mire
e veja: o mais importante e bonito, do
mundo, é isto: que as pessoas não estão
sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre
mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão.”
“O
senhor sabe: há coisas de medonhas
demais, tem. Dor do corpo e dor da
idéia marcam forte, tão forte como o
todo amor e raiva de ódio.”
“Viver
é muito perigoso... Querer o bem com
demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por
principiar!”
“Ah,
eu estou vivido, repassado, eu me lembro das coisas antes dela acontecerem.”
“Moço: toda saudade é uma espécie de velhice... O amor, já de si, é algum arrependimento.”
“Jagunço
é homem já meio desistido por si.”
“Confiança
– o senhor sabe – não se tira das coisas feitas ou perfeitas: ela rodeia é o quente da pessoa.”
“Tem
horas em que penso que a gente carecia, de repente, de acordar de alguma
espécie de encanto.”
“No
real da vida, as coisas acabam com menos formato, nem acabam. Melhor assim.
Pelejar por exato, dá erro contra a gente. Não se queira. Viver é muito perigoso...”
“Sujeito
muito lógico, o senhor sabe: cega
qualquer nó. E – engraçado dizer –
a gente apreciava aquilo. Dava uma esperança forte.”
“Eu
queria decifrar as coisas que são importantes. Queria entender do medo e da
coragem, e da gã que empurra a gente para fazer tantos atos, dar corpo ao
suceder. O que induz a gente para más
ações estranhas, é que a gente está pertinho do que é nosso, por direito, e não
sabe, não sabe, não sabe.”
“Era
como se eu tivesse de caçar emprestada uma sombra de um amor.”
“Cada
hora, de cada dia, a gente aprende uma qualidade nova de medo.”
“Despedir
dá febre.”
“A
amizade dele, ele me dava. E amizade
dada é amor. Eu vinha pensando, feito
toda alegria em brados pede: pensando
por prolongar. Como toda alegria, no
mesmo do momento, abre saudade.”
“Não
por orgulho meu, mas antes por me faltar o raso de paciência, acho que sempre
desgostei de criaturas que com pouco e fácil se contentam.”
“Deveras
se vê que o viver da gente não é tão cerzidinho assim.”
“Coração
cresce de todo lado. Coração vige feito
riacho colominhando por entre serras e varjas, matas e campinas. Coração mistura amores. Tudo cabe.”
“O
que os meus olhos não estão vendo hoje, pode ser o que vou ter de sofrer no dia
depois d’amanhã.”
“Ah,
as coisas influentes da vida chegam assim sorrateiras, ladroalmente.”
“Dói
sempre na gente, alguma vez, todo amor achável, que algum dia se desprezou.”
“...
e, gostar exato das pessoas, a gente só gosta, mesmo, puro, é sem se conhecer
demais socialmente.”
“Tu
não acha que todo mundo é doido? Que um
só deixa de doido ser é em horas de sentir a completa coragem ou o amor? Ou em horas em que consegue rezar?”
“A
gente só sabe bem aquilo que não entende.”
“Então
o mundo era muita doideira e pouca razão?”
“Tem
de todas as coisas. Vivendo se
aprende; mas o que se aprende, mais, é
só a fazer outras maiores perguntas.”
“Medo
de errar. Sempre tive. Medo de errar é que é a minha paciência.”
“Meu
coração é que entende, ajuda minha idéia a requerer e traçar.”
“Todos
estão loucos, neste mundo? Porque a
cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que estão para haver são demais
de muitas, muito maiores diferentes, e a gente tem de necessitar de aumentar a
cabeça, para o total. Todos os sucedidos
acontecendo, o sentir forte da gente – o que produz os ventos.”
“Eu
queria ir pra ele, para abraço, mas minhas coragens não deram.”
“Só
nos olhos das pessoas é que eu procurava o macio interno delas; só nos onde os olhos.”
“O
que era isso, que a desordem da vida podia sempre mais do que a gente?”
“Amigo,
pra mim, é só isto: é a pessoa com quem
a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar
próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios. Ou – amigo –
é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por que é que é.”
“Eu
sei: quem ama é sempre muito escravo,
mas não obedece nunca de verdade.”
“O
querer-bem da gente se despedindo feito um riso e soluço, nesse meio de vida.”
“Viver
é um descuido prosseguido.”
“O
diabo não há! É o que eu digo, se
for... Existe é homem humano. Travessia.”
“De
primeiro, eu fazia e mexia, e pensar não pensava. Não possuía os prazos. Vivi puxando difícil de difícel, peixe vivo
no moquém: quem mói no asp`ro, não fantasêia. Mas, agora, feita a folga que me
vem, e sem pequenos dessossegos, estou de range rede. E me inventei neste gosto, de especular
idéia.”
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De
primeiro, eu fazia e mexia, e pensar não pensava. Não possuía os prazos. Vivi
puxando difícil de dificel, peixe vivo no moquém: quem mói no asp’ro, não
fantaseia. Mas, agora, feita a folga que me vem, e sem pequenos dessossegos,
estou de range rede. E me inventei neste gosto, de especular idéia. O diabo
existe e não existe? Dou o dito. Abrenúncio. Essas melancolias. O senhor vê:
existe cachoeira; e pois? Mas cachoeira é barranco de chão, e água se caindo
por ele, retombando; o senhor consome essa água, ou desfaz o barranco, sobra
cachoeira alguma? Viver é negócio muito perigoso...
Explico
ao senhor: o diabo vige dentro do homem, os crespos do homem – ou é o homem
arruinado, ou o homem dos avessos. Solto, por si, cidadão, é que não tem diabo
nenhum. Nenhum! – é o que digo. O senhor aprova? Me declare tudo, franco – é
alta mercê que me faz: e pedir posso, encarecido. Este caso – por estúrdio que
me vejam – é de minha certa importância. Tomara não fosse... Mas, não diga que
o senhor, assisado e instruído, que acredita na pessoa dele?! Não? Lhe
agradeço! Sua alta opinião compõe minha valia. Já sabia, esperava por ela-já o
campo! Ah, a gente, na velhice, carece de ter sua aragem de descanso. Lhe
agradeço. Tem diabo nenhum. Nem espírito. Nunca vi. Alguém devia de ver, então
era eu mesmo, este vosso servidor. Fosse lhe contar... Bem, o diabo regula seu
estado preto, nas criaturas, nas mulheres, nos homens. Até: nas crianças – eu
digo. Pois não é ditado: “menino – trem do diabo”? E nos usos, nas plantas, nas
águas, na terra, no vento... Estrumes.... O diabo na rua, no meio do
redemunho...
“Uma
coisa é pôr idéias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas, de carne e
sangue, de mil-e-tantas misérias...
Tanta gente – dá susto se saber – e nenhum se sossega: todos nascendo, crescendo, se casando,
querendo colocação de emprego, comida, saúde, riqueza, ser importante, querendo
chuva e negócios bons... De sorte que
carece de se escolher: ou a gente se
tece de viver no safado comum, ou cuida só de religião só. Eu podia ser:
padre sacerdote, se não chefe de jagunços; para outras coisas não fui parido. Mas minha velhice já principiou, errei de
toda conta.”
"Tivesse medo? O medo da confusão das coisas, no mover desses futuros, que tudo é desordem. E, enquanto houver no mundo um vivente medroso, um menino tremor, todos perigam - o contagioso. Mas ninguém tem a licença de fazer medo nos outros, ninguém tenha. O maior direito que é meu - o que quero e sobrequero -: é que ninguém tem o direito de fazer medo em mim!" (João Guimarães Rosa)
“O
que mais penso, texto e explico :todo-o-mundo é louco. O senhor, eu, nós, as pessoas todas. Por isso é que se carece principalmente de
religião: para se desendoidecer,
desdoidar. Reza é que sara da
loucura. No geral. Isso é que é a salvação-da-alma... Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo
rio... Uma só, para mim é pouca, talvez
não me chegue. Rezo cristão, católico,
embrenho a certo; e aceito as preces de
compadre meu Quelemém, doutrina dele, de Cardéque. Mas, quando posso, vou no Mindubim, onde um
Matias é crente, metodista: a gente se
acusa de pecador, lê alto a Bíblia, e ora, cantando hinos belos deles. Tudo me quieta, me suspende. Qualquer sombrinha me refresca. Mas é só muito provisório.”
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“Toda
mãe vive de boa, mas cada uma cumpre sua paga prenda singular, que é a dela e
dela, diversa bondade. E eu nunca tinha
pensado nessa ordem. Para mim, minha mãe
era a minha mãe, essas coisas. Agora, eu
achava. A bondade especial de minha mãe
tinha sido a de amor constando com a justiça, que eu menino precisava. E a de, mesmo no punir meus demaseios,
querer-bem às minhas alegrias. A
lembrança dela me fantasiou, fraseou – só face dum momento – feito grandeza
cantável, feito entre madrugar e manhecer.”
“Como
não ter Deus? Com Deus existindo, tudo
dá esperança: sempre um milagre é
possível, o mundo se resolve. Mas, se
não tem Deus, há-de a gente perdidos no
vai-vem, e a vida é burra. É o aberto
perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar – é todos contra
os acasos. Tendo Deus, é menos grave se
descuidar um pouquinho, pois, no fim dá certo.
Mas, se não tem Deus, então, a gente não tem licença de coisa nenhuma.”
“Medo
maior que se tem, é de vir canoando num ribeirãozinho, e dar, sem
,
no corpo dum rio grande. Até pelo
mudar.”
“Ser
ruim, sempre, às vezes é custoso, carece de perversos exercícios de experiência.”
“O
senhor sabe?: não acerto no contar, porque estou remexendo o vivido longe alto,
com pouco caroço, querendo esquentar , demear, de feito, meu coração, naquelas
lembranças. Ou quero enfiar a idéia,
achar o rumozinho forte das coisas, caminho do que houve e do que não
houve. Às vezes não é fácil. Fé que não é.”
“Hê,
de medo, coração bate solto no peito;
mas de alegria ele bate inteiro e duro, que até dói, rompe para diante
na parede.”
“Toda
moça é mansa, é branca e delicada.”
“Mestre
não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.”
“Qualquer
amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.”
“Despedir
dá febre.”
“A
amizade dele, ele me dava. E amizade
dada é amor. Eu vinha pensando, feito
toda alegria em brados pede: pensando
por prolongar. Como toda alegria, no
mesmo do momento, abre saudade.”
“Sentimento
que não espairo; pois eu mesmo nem acerto com o mote disso – o que queria e o que não queria, estória sem final. O correr da vida embrulha tudo, a vida é
assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois
desinquieta. O que ela quer da gente é
coragem. O que Deus quer é ver a gente
aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais, no meio da alegria, e inda mais
alegre ainda no meio da tristeza! Só assim de repente, na horinha em que se
quer, de propósito – por coragem.
Será? Era o que eu às vezes
achava. Ao clarear do dia.”
“Sertão,
- se diz - , o senhor querendo procurar, nunca não encontra. De repente, por si, quando a gente não
espera, o sertão vem.”
“O
senhor entende, o que conto assim é resumo;
pois, no estado do viver, as coisas vão enqueridas com muita
astúcia: um dia é todo para a esperança,
o seguinte para a desconsolação.”
“O
sertão é bom. Tudo aqui é perdido, tudo
aqui é achado... O sertão é confusão em
grande demasiado sossego...”
“Aqui
digo: que se teme por amor; mas que, por amor, também, é que a coragem se
faz.”
“Pois
não é? Só quando se tem rio fundo, ou
cava de buraco, é que a gente por riba põe ponte.”
“Quieto;
muito quieto é que a gente chama o amor:
como em quieto as coisas chamam a gente.”
“Minha
Senhora Dona: um menino nasceu – o mundo
tornou a começar!...”
“Sertão: quem sabe dele é urubu, gavião, gaivota,
esses pássaros: eles estão sempre no
alto, apalpando ares com pendurado pé,
com o olhar remedindo a alegria e as misérias todas...”
“...
a colheita é comum, mas o capinar é
sozinho.”
“Viver
– não é? – é muito perigoso. Porque
ainda não se sabe. Porque
aprender-a-viver é que é o viver, mesmo.”
Um comentário:
Para mim Guimarães Rosa beira a perfeição!!!!!!!!!!
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