quarta-feira, 25 de março de 2015

O fim do noivado



Imagine um homem bonito. E viril. E que ainda produz nas mulheres um sentimento maternal. (Droga existir um homem assim, né? Fazer o quê...)  Esse é o Gabriel. Imagine que ele gosta demais de uma menina, sempre quis namora-la e que, só depois de bons anos de luta, finalmente conseguiu. Essa é a Fernanda. Imagine que, como se não bastasse, o Gabriel é capaz de gestos de carinho e atenção extremamente cativantes, singulares, e ainda por cima, espontâneos e genuínos. Imagine, por fim, que os dois namoraram 5 anos e já estavam reformando o apartamento para se casarem daí a 8 meses quando ela pergunta se ele já a tinha traído.
Gabriel pensou um pouco. Teve medo que Fernanda já soubesse e que mentir fosse pior. E admitiu uma traição – verdadeiramente, a única – quando eles tinham por volta de um ano de namoro.
E Fernanda terminou tudo.
Gabriel ficou arrasado. Imagine um homem destruído. Era ele. Procurou seu psicólogo, consultou com um psiquiatra, passou a tomar remédio. Tentou de todas as formas convencer a noiva a reconsiderar. Mas ela foi irredutível. Nunca abriu brecha alguma. E xingava:
- Você deve achar que eu sou uma retardada, né? Que eu vou acreditar que foi só essa... é claro que você me traiu o tempo todo! Minhas amigas sempre me alertaram do garanhão que você é!
E Gabriel sentia-se ainda pior quando percebia que, ao menos em parte, colaborou pra esse sentimento. É um homem muito bonito, que trabalha num meio cheio de mulheres e carente de homens. Sempre foi muito assediado. Fora o caso já assumido, não ficou com mais ninguém. Mas sabe que permitia e até, de certa forma, incentivava, o assédio. Fazia bem pra ele. Ou, pelo menos, achava que fazia. As amigas deviam ver isso e comentar com Fernanda, imaginando o que ele devia fazer quando não na frente delas.  Devemos nos lembrar também o homem bonito que ele era, o belo casal que formavam e a inveja que deviam provocar. Isso também deve ter incentivado os comentários.
Fernanda nunca acreditou que pudesse ser só aquela vez.
E dava até pra entender essa vez. Eu conhecia Gabriel no início de seu namoro. E, apesar de ver seu entusiasmo com Fernanda, não conseguia acreditar que ele fosse ser feliz com ela. Achava Fernanda muito dura, agressiva e até hostil com ele. Ele trabalhava numa área difícil de conseguir reconhecimento, ainda não ganhava bem, e ela deixava claro que queria ”um homem mais decidido, resolvido, capaz de conquistar suas coisas”. Por mais de uma vez fez planos de mudar de estado sem considerar o que ele achava, não se importando se daria pra continuar o namoro ou não. Ele foi se machucando. Ele tentou lembrar a ela que a traição ocorrera justo nessa época, não se justificando, mas tentando se explicar. Não adiantou, ela não reconsiderou.
No auge da crise, ainda muito sofrido, numa conversa com seu irmão – e eles nem se davam muito bem -, Gabriel recebeu essa pergunta:
- Você uma vez me disse que Fernanda era muito tensa e que, por isso, você gostava de fazer uma massagem nela, depois do amor.
- É verdade...
- Quantas vezes você deve ter feito essa massagem nela?
- Sei lá, inúmeras, não dá pra contar...
- E quantas vezes ela fez massagem em você?
(... Silêncio...)
E o irmão fecha o diálogo com chave de ouro:
- Gabriel, quem sabe amar é você. Ela nunca soube amar como você sabe. Você sabe se dar, sabe se dedicar, manter o entusiasmo... ela não. Será se algum dia ela verdadeiramente lhe amou?
Deve ter sido a coisa mais importante e verdadeira que o Gabriel escutou na vida.
https://www.youtube.com/watch?v=MdTreZH0f8M
Ele sabe amar. Sabe cuidar, investir, se doar. Talvez não saiba muito bem como mirar. E acertou o alvo errado. Talvez confunda um pouco amor-paixão-obsessão. E na verdade esse tenha sido o erro que o desviou no seu namoro.
O amor é a amizade do querer.
A paixão é a ambição do querer.
A obsessão é a cobiça do querer.
A amor é sinônimo quase perfeito de amizade. Se o amor fosse uma mão, a palma desta mão – a base, o fundamento – seria a amizade. Os dedos dessa mão seriam o cuidado, o respeito, a admiração, o carinho e o desejo. O amor tem duas características interligadas. Ele é reversível e exige reciprocidade. Se eu penso amar alguém, vou na direção desse meu afeto e esta pessoa mostra não sentir amor por mim, meu amor – se é realmente amor – se retraí. Sem a reciprocidade do amor do outro o amor se reverte e deixa de ser amor.
O amor sempre é bom.
A paixão é a ambição do querer, é o querer com entusiamo. A paixão é a graxa que vem recuperar a flexibilidade das molas do amor. Ela nada tem de ruim. Ruim é fazer o que fazemos quase sempre: confundi-la com o amor. Pois como a paixão trás em sua natureza a inconstância – ela vai e volta, ela aumenta e diminui, ela aparece e some – sempre que ela arrefece achamos que não amamos mais. Mas se tivéssemos um pouco de paciência veríamos que ela retornaria. E que, mesmo com ela ausente, ainda assim o amor estaria presente. Um amor mais calmo, mais sereno, mas que se esperar um pouco, verá, mais cedo ou mais tarde, o retorno da paixão e do entusiasmo.
Assim a paixão pode ser boa ou ruim, dependendo de se a confundimos ou não com o amor.
A obsessão é a cobiça do querer. É um querer que não aceita que o outro não queira e que está disposto a quaisquer condições para permanecer com o outro. Nesse sentido a obsessão é o contrario do amor: ela é não reversível e não exige a reciprocidade. Contando que você fique comigo, pouco importa que seja por amor, se for por qualquer outro motivo – por culpa, dó, falta de opção melhor, medo de ficar só, constrangimento ou qualquer outro motivo – ainda assim, se prisioneiro da minha obsessão, eu aceitaria.
Se o amor é sempre bom e a paixão pode ser boa ou não, a obsessão nunca é boa. Ela é a própria negação do amor e a ausência da soberania. Já não escolho tampouco sou livre: sou é prisioneiro do meu querer e de minhas vontades.
Quanto sofrimento seria evitado se tivéssemos essa diferenciação bem clara em nossas cabeças?



Túlio e sua mãe



Não sei explicar direito o impacto que a consulta com Túlio me causou, desde o início.
Estava diante de mim um jovem de 29 anos completamente destruído. Nem sei como ele deu conta de vir para a primeira consulta. Deve ter sido arrastado por algum amigo ou parente. E, como estava em choque, consentiu.
Havia perdido a mãe.  Ela sentiu-se mal, foi internada e faleceu dois dias depois, de uma rara e ainda incompreendida doença. Era muito jovem, tinha 50 e poucos anos.
E não era uma mãe qualquer. Nunca vi uma relação de amor tão clara, intensa, bonita. Mãe e filho davam-se muitíssimo bem. Brigavam, ambos de forte temperamento, mas mesmo nas brigas o afeto entre os dois sequer se arranhava.
Ele era filho único, o pai não o assumiu. A família da mãe se distanciou quando ela engravidou. E ela o criou sozinha. Tiveram no início muitas dificuldades,  mas ela, lutadora, cresceu muito profissionalmente e já a muito tinham uma vida tranquila e resolvida financeiramente.
E os dois se amavam. E como!
“Eu não consigo dizer o que sinto pela minha mãe. E sei que ela sente o mesmo por mim (Durante meses Túlio citava a mãe, nas consultas, como se ela ainda estivesse viva.) Não dá para explicar direito. Amo minha namorada. Sei que vou amar meus filhos. Mas não acredito que vá se comparar. Nunca senti por ninguém o que eu sinto pela minha mãe. Até nossas brigas são diferentes. Nunca ficamos magoados um com o outro. Entendo agora que tem gente que faz besteira numa hora como essa. Se mata. Meu sofrimento é tão desesperador. Quem não tem fé se mata mesmo, numa hora como essa.”
E ele foi falando. E eu em silêncio. Quase não disse nada. Foi provavelmente a consulta na qual eu menos falei, em toda minha história de consultório.
Foram duas horas de consulta e ele descrevendo sua dor mas, principalmente, seu amor por sua mãe. Em vários momentos ele se emocionava muito. Fiquei profundamente tocado com sua história. Também tive minhas perdas.
Já pertinho do fim do horário eu o interrompi. E perguntei:
- Você já agradeceu?
Anos depois ele me contou que pensou ”Vou rachar esse homem ao meio”. (Dizia isso às vezes,  quando tinha raiva de alguém, fazendo um gesto de Karate com a mão espalmada que gelava a espinha de qualquer um. Ele é um homem grande. ). Mas, talvez por sentir que eu também estava emocionado com o que ele me disse, me concedeu o benefício da dúvida e, antes de executar o veredito do golpe fatal, perguntou:
- Agradecer o que?!
- Agradecer ter tido uma mãe como essa. Agradecer a beleza do amor que vocês conseguiram juntos. Agradecer os 29 anos que teve convivendo com uma pessoa tão maravilhosa... Nunca vi uma história de amor tão bonita! Você tem que agradecer demais, ter tido uma mãe tão maravilhosa e ter sabido como retribuir, devolver, conviver tão bem com ela... que coisa linda foi a relação de vocês....

Não apanhei. E dois anos mais tarde Túlio me perguntou se eu me lembrava de nossa primeira consulta...
- E tem como esquecer?



sábado, 7 de março de 2015

A primeira pressa do homem ou Dos riscos da ejaculação precoce

Estava Deus distribuindo as qualidades entre o homem e a mulher.
- Ok... Você então terás barba, mas poderás ficar calvo. E você terás os seios desenvolvidos e será capaz de amamentar...
E volta o olhar para a lista, conferindo novamente os itens.
- Deixe-me ver aqui... Acho que já foi tudo distribuído... Ah! Não! faltam ainda duas características... A primeira é a capacidade de mijar de pé...
- Eu quero! Eu Quero! Falei Primeiro!! - Berrou Adão, num pulo.
- Tudo bem, Eva?
- Tá certo senhor, deixa com ele então...
- Ok, obrigado pela compreensão Eva... Deixa eu ver aqui, sobrou então o que mesmo? Ah! Orgasmos múltiplos...
Dá pra imaginar a cara do Adão...

O segredo de Deus

“ Um dia no jardim do Éden, Eva disse a Deus:
- Deus, tenho um problema!
- Qual é o problema, Eva?
- Deus, sei que me criaste e me deste este maravilhoso jardim e todos estes maravilhosos animais e esta serpente tão graciosa, mas não sou feliz.
- Por que Eva? Disse a voz lá de cima.
- Deus, estou sozinha, e não suporto mais comer maçã.
- Bem, Eva, neste caso, tenho uma solução. Criarei um homem para ti.
- O que é um homem, Deus?
- Um homem será uma criatura defeituosa, com muitos atributos negativos, mentiroso, arrogante, vaidoso; em resumo fará da sua vida um inferno. Mas... será maior, mais rápido, e vai caçar e matar animais. Terá um aspecto estúpido quando ficar excitado mas, para que não te queixes, o farei a fim que satisfaça tuas necessidades. Será patético e sentirá prazer em coisas infantis como lutar e dar pontapés em uma bola. Não será muito inteligente, então, vai precisar do teu conselho para pensar adequadamente.
- Parece ótimo. Disse Eva, com um sorriso irônico.
- Porem..., disse Deus.
- Qual é o problema, Deus?
- Bem..., vais tê-lo com uma condição.
- Qual, Deus?

- Como eu disse, será orgulhoso, arrogante, egocêntrico... assim terás que deixar que ele acredite que eu o fiz primeiro. Lembre-se, este será o nosso pequeno segredo, Eva... de mulher para mulher...”

quinta-feira, 5 de março de 2015

Alta Tensão - Murilo Mendes




Salve mundo de amanhã
Que possuirás meus ossos,
Fuzilarás talvez meus sobrinhos:
Espero não te legar filhos
Para massacrares na guerra.

Os sem-trabalho vão visitar o ditador,
Recebem presentes de granadas.
Os banqueiros protegidos
Por máscaras contra gases asfixiantes
Montam guarda à porta dos palácios.
Meu anjo da guarda não aparece,
Os aviões inimigos
Estabelecem uma forte cortina de cerração
Em trono do seu corpo.
Minha mãe num delírio
Sai do arco-íris tocando piano
Que só eu escuto na desordem geral.

A tarde nasce com cuidados de manhã.
As órfãs vão passear de uniforme na praia
Enquanto as filhas dos capitalistas
Jogam bola diante delas,
Deslizam na bicicleta,
Voam na lancha azul.
Os elementos não me pertencem,
Não posso consolar
Nem ser consolado;
Não posso soprar em ninguém
O espírito da vida
Nem ordenar o crescimento das auroras
Nem oferecer uma aurora boreal à minha amada
Nem mudar a direção do olhar da amada,

Nem muda - ai de mim! - a direção do mundo.