(Da
série “Como João Guimarães Rosa pode mudar sua vida”, parte 31)
Ainda tentando dar
combate aos traidores que mataram Joca Ramiro o grupo de Riobaldo encontra o
respeitado líder Medeiro Vaz.
“Medeiro
Vaz, retratal, barbaça, com grande chapéu rebuçado, aquela pessoa sisuda,
circunspecto com todas as velhices, sem nem velho ser. Cujo eu me disse: – “É
bom homem...” E ele beijou a testa de Diadorim, e Diadorim beijou aquela mão. A
um assim, a gente podia pedir a benção, se prezar.”
Medeiro Vaz “com
todas as velhices, sem velho ser”.
A velhice pode ser
vivenciada de diversas formas.
Pedro Nava disse que a velhice é um carro com os faróis
voltados para trás. Neste modo de ver a experiência de vida não tem muito valor,
não serve para o adiante. É uma velhice desesperançosa, onde não se espera
muito do que está por vir.
Darcy Ribeiro, em seu livro “O Mulo”, bota o
personagem narrador a dizer: “Velhice é isso. É não ter outros eus adiante para
neles se desdobrar. Não tenho nenhum, estou resumido ao que agora sou. Meu eu
de hoje é já meu eu de sempre. Com ele vou acabar. Amém.” E ainda: “Envelhecer
é isso. É ir restringindo o mundo da gente, reduzindo a convivência, é ir-se
resumindo até caber, inteiro, dentro da gente mesmo. Quando o recolhimento se
completa, só resta morrer, e, enquanto não morrer, viver como eu vivo, pra
dentro, enrustido. Ruminando idos vividos”.
Muitos de nós vivenciam essa velhice desesperançada
sem mesmo ter uma idade mais avançada. Isso é ser evelhentado ou avelhentado, é
ser envelhecido antes do tempo.
Posição diversa apresenta Aníbal Machado em seu livro “Cadernos de
João”, ao dizer: “O espírito só tem uma idade: ou é sempre jovem, ou não é
espírito. Tudo o mais é arquivo e reminiscência”.
Me lembrei desse trecho do Aníbal Machado quando liguei para minha mãe, para dar os parabéns pelos seus sessenta e tantos anos. Ela estava meio desanimada ao telefone e eu perguntei o motivo. "A idade... meu corpo já não acompanha meu espírito."
Recitei a passagem acima pra ela e comentei algo como: "É... seu corpo já não é o mesmo... nem o meu... Mas também é verdade que faz muito tempo que eu não lhe vejo tão animada com a vida como nesses últimos dois ou três anos. Você está cheia de projetos, fazendo um tanto de coisa, buscando coisas novas e recuperando umas antigas... Do ponto de vista do Aníbal, você está é bem jovem." Ela achou o texto muito interessante e reconheceu o que lhe disse. Desligou o telefone com a voz bem melhor.
Me lembrei desse trecho do Aníbal Machado quando liguei para minha mãe, para dar os parabéns pelos seus sessenta e tantos anos. Ela estava meio desanimada ao telefone e eu perguntei o motivo. "A idade... meu corpo já não acompanha meu espírito."
Recitei a passagem acima pra ela e comentei algo como: "É... seu corpo já não é o mesmo... nem o meu... Mas também é verdade que faz muito tempo que eu não lhe vejo tão animada com a vida como nesses últimos dois ou três anos. Você está cheia de projetos, fazendo um tanto de coisa, buscando coisas novas e recuperando umas antigas... Do ponto de vista do Aníbal, você está é bem jovem." Ela achou o texto muito interessante e reconheceu o que lhe disse. Desligou o telefone com a voz bem melhor.
Muitos anos atrás li uma entrevista de Mario Quintana,
nunca mais localizada, por ocasião de seu aniversário de oitenta anos. Reconto
de memória, e se algo não estiver de acordo com a entrevista real, pelo menos
foi o que ficou como relevante.
A repórter pergunta se o poeta não tem saudade de
sua juventude, de seus dezoito anos. Ele diz que não, que já tinha feito
dezoito anos uma vez e que essa era a primeira vez que fazia oitenta. Ela pergunta
se ele não sentia falta da força e do vigor da juventude. Ele diz que não, que não
quer mais fazer as coisas que queria fazer quando tinha dezoito anos. Diz que
quando jovem tinha muito medo do que vinha adiante e que nada se compara com a
paz que adquiriu com a idade.
A repórter, aparentemente revoltada, meio que
pergunta, meio que afirma que deve haver algo de ruim na velhice.
Mario Quintana diz que sim, há. Que ele já enterrou
a maior parte de seus amigos e que isso é muito chato. Mas antes que a repórter
se anime com isso, o poeta completa que já descobriu a saída pra esse problema.
Diz que agora só faz amizade com brotinhos, só com gente de 60 anos. Sabe que
tá de sacanagem, que esses novos amigos vão ter que enterrá-lo um dia... Mas
que eles precisam passar por isso também.
Certamente a
velhice trás, além da experiência, limitações e sofrimentos. Contudo alguns
velhos parecem saber o segredo, não da juventude, mas da graça e da vitalidade.
Martin Buber
expressa muito bem essa possibilidade quando escreveu: “Ser velho é coisa
gloriosa quando não se esquece o significado de começar... Não era de nenhuma
maneira jovem (aquele ancião), mas era velho de uma maneira jovem, pois sabia
como começar.”
Goya, grande pintor espanhol, já idoso, doente e acamado, e tendo passado em vida por dificílimas provações, rabisca esse desenho e escreve a legenda: ainda aprendo.
Goya, grande pintor espanhol, já idoso, doente e acamado, e tendo passado em vida por dificílimas provações, rabisca esse desenho e escreve a legenda: ainda aprendo.
Por fim, na mesma linha que Aníbal Machado, José Bergamín nos presenteia com seu belo poema (tradução minha):
A velhice é uma máscara:
Se tu a tiras, descobres
O rosto infantil da alma.
A infância vai te seguindo
Durante toda a vida.
Mas ela vai mais devagar
E tu andas sempre depressa.
Quando a velhice lhe chega,
Não é que voltes à infância,
É que moderas o passo
E por fim a infância lhe alcança.
In Rimas y sonetos razagados
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