(Da série “Como João Guimarães Rosa pode mudar sua vida”, parte 29)
Acabada a guerra, Riobaldo e alguns membros do bando ficam em tempo de espera, meio que sem ter o que fazer. E neste tempo vago, Riobaldo pega o cavalo e sai, meio sem rumo. Cavalgou até chegar a um pequeno córrego. Deitou e dormiu.
Quando acordou viu Diadorim ao seu lado, de vigília.
“Diadorim aparecia ali, a uns dois passos de mim, me vigiava. Sério, quieto, feito ele mesmo, só igual a ele mesmo nesta vida. Tinha notado minha ideia de fugir, tinha me rastreado, me encontrado. Não sorriu, não falou nada. Eu também não falei.”
E Riobaldo sente uma coisa.
“Apanhei foi o silêncio dum sentimento, feito um decreto: – Que você em sua vida toda toda por diante, tem de ficar para mim, Riobaldo, pegado em mim, sempre!... – que era como se Diadorim estivesse dizendo. Montamos, viemos voltando.”
E Riobaldo percebe ainda mais o tanto que gostava de Diadorim.
“Aquele lugar, o ar. Primeiro, fiquei sabendo que gostava de Diadorim – de amor mesmo amor, mal encoberto em amizade. Me a mim, foi de repente, que aquilo se esclareceu: falei comigo. Não tive assombro, não achei ruim, não me reprovei – na hora. Melhor alembro. Eu estava sozinho, num repartimento dum rancho, rancho velho de tropeiro, eu estava deitado numa esteira de taquara. Ao perto de mim, minhas armas. Com aquelas reluzentes nos canos, de cuidadas tão bem, eu mandava a morte em outros, com a distância de tantas braças. Como é que, dum mesmo jeito, se podia mandar o amor?”
Riobaldo parece que tentou fugir justamente quando não conseguia mais negar o que sentia por Diadorim.
“Diadorim, meu amor...” Como era que eu podia dizer aquilo?
Mas ele não suporta essa verdade e tenta negá-la. Mas o rio continuará a correr no subterrâneo.
“O que sei, tinha sido o que foi: no durar daqueles antes meses, de estropelias e guerras, no meio de tantos jagunços, e quase sem espairecimento nenhum, o sentir tinha estado sempre em mim, mas amortecido, rebuçado. Eu tinha gostado em dormência de Diadorim, sem mais perceber, no fofo dum costume. Mas, agora, manava em hora, o claro que rompia, rebentava. Era e era. Sobrestive um momento, fechados os olhos, sufruía aquilo, com outras minhas forças. Daí, levantei. Levantei, por uma precisão de certificar, de saber se era firme exato. Só o que a gente pode pensar em pé – isso é que vale. Aí fui até lá, na beira dum fogo, onde Diadorim estava, com o Drumõo, o Paspe e Jesualdo. Olhei bem para ele, de carne e osso; eu carecia de olhar, até gastar a imagem falsa do outro Diadorim, que eu tinha inventado. – “Hê, Riobaldo, eh, uê, você carece de alguma coisa?” – ele me perguntou, quemme- vê, com o certo espanto. Eu pedi um tição, acendi um cigarro. Daí, voltei, para o rancho, devagar, passos que dava. “Se é o que é” – eu pensei – “eu estou meio perdido...” Acertei minha idéia: eu não podia, por lei de rei, admitir o extrato daquilo. Ia, por paz de honra e tenência, sacar esquecimento daquilo de mim. Se não, pudesse não, ah, mas então eu devia de quebrar o morro: acabar comigo! – com uma bala no lado de minha cabeça, eu num átimo punha barra em tudo. Ou eu fugia – virava longe no mundo, pisava nos espaços, fazia todas as estradas. Rangi nisso – consolo que me determinou. Ah, então eu estava meio salvo! Aperrei o nagã, precisei de dar um tiro – no mato – um tiraço que ribombou. – “Ao que foi?” – me gritaram pergunta, sempre riam do tiro tolo dado. – “Acho que um macaquinho miúdo, que acho que errei...” – eu expendi.Tanto também, fiz de conta estivesse olhando Diadorim, encarando, para duro, calado comigo, me dizer: “Nego que gosto de você, no mal. Gosto, mas só como amigo!...” Assaz mesmo me disse. De por diante, acostumei a me dizer isso, sempres vezes, quando perto de Diadorim eu estava. E eu mesmo acreditei. Ah, meu senhor! – como se o obedecer do amor não fosse sempre ao contrário... O senhor vê, nos Gerais longe nuns lugares, encostando o ouvido no chão, se escuta barulho de fortes águas, que vão rolando debaixo da terra. O senhor dorme em sobre um rio?"
Riobaldo tenta se lembrar da canção que sempre busca, quando esbarra numa saudade.
“Ao que perguntei: e aquela canção de Siruiz? Mas eles não sabiam. – “Sei não, gosto não. Cantigas muito velhas...” – eles desqueriam.”
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