quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Madrugada com medo


- Nello... Nello..., acorda...
- Hum...?
- Acorda...
- Huummm... que foi?
- João acordou, já tem meia hora, e não tá conseguindo dormir. Já tentei de tudo para acalmá-lo mas ele não consegue dormir... diz que tá com medo de você ter morrido...

Era minha esposa cochichando em meu ouvido.

Estávamos todos dormindo no mesmo quarto, na casa de praia da minha mãe, eu, minha esposa, meu menino de 7 anos e minha menina de 5. Tínhamos escolhido o quarto maior, dado uma boa limpeza nele e nos acomodado lá. Deviam ser umas duas horas da madrugada.

- Medo de eu ter morrido!?

Perdi meu pai quando eu tinha 10 anos. Tentei nunca pesar muito essa historia lá em casa para não impressionar os meninos. O pai de minha mãe separou-se, foi embora e não mais voltou. De onde João agora vinha com isso? Certos assuntos parecem mesmo permear certas famílias. Parecem ser temas que serão sempre abordados nas histórias dessas pessoas... meu filho com medo que eu morra, ou que eu tenha morrido! Do nada!

- João, você tá acordado?
- Papai, você está aí?
Sua voz estava chorosa...
- Estou João. Você acordou e não está conseguindo dormir de novo?
- Eu tava com medo de você ter morrido...
- João, eu to aqui, eu não morri...
- Mas eu to com medo papai...
- João, você está sentado na sua cama?
- To.
- Então deita, meu filho... já deitou?
- Já.
- Agora feche os olhos... já fechou?
- Já.
- João, agora você vai imaginar, de olhos fechados, uma foto. Nessa foto estamos eu, você, mamãe e sua irmã... os quatro... abraçados... nós estamos abraçados e sorrindo, todo mundo juntinho... você está imaginando?
- To sim, papai...
 - João, nós somos uma família. Nós sempre vamos estar juntos. Agora você é pequeno e papai te ajuda mais, mas você também me ajuda muito quando eu preciso. Quando papai estiver velhinho você vai ajudar ainda mais... Mamãe sempre te ajuda quando você precisa e você também a ela. Você ajuda sua irma e ela a você, e nós a ela e ela também a nós... somos uma família, João. Estamos juntos, nos amamos e contamos uns com os outros... Eu sempre vou estar com você. Mamãe e sua irmã também... você nunca vai ficar sozinho... você entendeu? ... Você está me ouvindo?... João...?

Tinha dormido...

5 comentários:

Madu disse...

Impressionante isso! Já tive esta experiência. Quanto mais nao se quer passar algo para os filhos, mais se passa. Será que porque a concentração (foco) em nao passar e tanta que passa por transmissão de pensamento?

Unknown disse...

Adorei. Acho que essas palavras fazem toda diferença na vida de um menino, dão conforto, segurança. Eu vivenciei uma cena parecida na infância, quando morava no Rio, tinha uns 10 anos. Nunca esqueci esse momento. E acho que ele pode se lembrar disso para sempre.

Nello Rangel disse...

Obrigado, Paulinho. Gostaria muito mesmo que ele se lembrasse... ainda não perguntei se ele se lembra dessa historia, que já tem uns 3 anos. Mas se não se lembrar ainda assim fica guardadinho em algum lugar, senão no cérebro, quem sabe no coração...abçs

Dazed in Galway disse...

Oi Nello. Talvez você não passou isso para ele... Assisti um vídeo do Ivan Capelatto sobre infância (Café Filosófico). Ele explica que na latência, por volta dos 6 anos, a característica marcante é o medo da morte [dos pais].

tania dias disse...

Interessante esse post. Esse medo me parece comum às crianças dessa idade. Também já tive sonhos assim. Ainda me lembro. É aterrorizante porque somos muito dependentes dos pais nessa idade.