No
nosso cotidiano temos que escolher se vamos privilegiar as estruturas da
atividade ou as estruturas de poder, se vamos entrar no movimento da vida ou
optar por tentar usar a vida instrumentalmente, via manipulação.
Ao
alcance de nossas mãos o possível se apresenta. Mas temos que optar por ele. E
abrir mão das miragens que se mostram no horizonte distante, contaminadas pelo
ideal. Ou, nas palavras do poeta:
OS DEGRAUS
Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos - onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo...
Mario Quintana - Baú de Espantos
OS DEGRAUS
Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos - onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo...
Mario Quintana - Baú de Espantos
Que
opta pelas estruturas da atividade afeiçoa-se ao aperfeiçoar-se. Sabe-se hoje
um pouco melhor que ontem e um pouco pior que amanha. Há pessoas que não
conseguem dizer essa frase. Num automatismo supersticioso não podem dizer que
ficaram piores que alguma coisa. Existem também pessoas tão lamentadoras que só
diriam que “hoje estou um pouco pior que ontem e um pouco pior que amanha”, na
convicção de que sempre vai piorar.
Quem
opta pelas estruturas da atividade é palmeiro, vai palmo a palmo tateando a
realidade, tal como o homem, único animal a engatinhar, uma vez que os macacos
não se movimentam sobre as palmas das mãos, mas sobre os nós dos dedos.
É próprio
do humano ser palmeiro, mas tentamos negar nossa humanidade buscando o ideal, o
perfeito, o sem erro. Ser humano é errar. E, se der, aprender algo com isso.
Guimarães
Rosa escreve em certo livro “O princípio de toda maior bobagem é um se prezar
demais o próprio da própria pessoa”.
Ou,
como diria o capetão maior, no final do filme “O advogado do diabo”:
-
A vaidade é meu pecado predileto!
Segundo
Alceu Amoroso Lima a soberba é o maior dos pecados. Ela é a a busca indevida do
divino enquanto perfeito. E seria a origem de todas as outras formas de perda
da humanidade de cada qual, na busca de uma onipotência divina. Esse tipo de
autodivinação do humano seria, ainda segundo esse autor, um tipo de
antropocentrismo e de negação de deus. É um pecado mascarado pelo fato de que
nenhum soberbo se julga soberbo e está de certa forma em todos os pecados, de
uma forma disfarçada, essa hipertrofia do amor próprio. “O homem foi feito pra
amar e respeitar a si mesmo. Quando trai esse amor por uma paixão idolatra de
sua própria onipotência, ou se encobre pela falsa humildade, abre as portas pra
soberba. A raiz do pecado é a ignorância de si mesmo.” Seria ainda um pecado
simpático e ridículo.
Em
relação a esta questão é interessante comparar a etimologia da palavra
humildade com a etimologia da palavra humano.
Humildade
vem do latim humilìtas,átis , que significa de pouca elevação, de pequena estatura. Humano
se origina a partir da palavra latina humánus,a,um, que indica o que é próprio do homem.
Os
dois vocábulos têm em comum o prefixo HUM, do latim húmus, significa terra, solo. Humilde nesse sentido indica o que
permanece na terra, não se eleva da terra, aquilo que é humilde, de baixa
estatura e por isso mesmo próximo ao solo. E Humano indica por sua vez
habitante da terra, por oposição primeiro aos deuses, depois aos outros seres.
É
de se notar que as duas palavras, humilde e humano, têm a mesma cognação, ou
seja, vem de uma mesma raiz. Isso sugere uma íntima correlação entre os termos.
Poderíamos então imaginar, em virtude desta correlação, que humano e humilde
são termos irmãos. E poderíamos até nos arriscar a dizer que seria próprio do
humano a humildade, o saber-se próximo do chão, o saber-se finito e limitado. E
por ser assim incompleto o ser humano encontra o seu próprio mistério, que é ser
um ser de aprendizagem, um ser que se constitui na aprendizagem durante toda a
sua vida, nunca chegando a estar pronto.
Mas
negamos essa condição de humanos aprendizes, e almejando a perfeição -
perfeição esta inumana por definição - vivemos numa busca desesperada do
sucesso, do não falhar, do chegar, ver e vencer absolutos. E assim vivemos
prisioneiros da vaidade e da soberba, com pressa, medo e desesperança.
Qual
seria a saída da vaidade e da soberba?
Guimarães
Rosa faz uma sugestão ao dizer no seu livro “Tutaméia”, no conto “Aletria e
hermenêutica” que “Se o tolo admite, seja nem que um instante, que é nele mesmo
que está o que não o deixa entender, já começou a melhorar em argúcia.”
Parece
sugerir assim a saída socratiana do auto-conhecimento.
Talvez uma outra forma de abordar o problema fosse reconsiderar um
termo em desuso: a palavra lhaneza.
Lhaneza é a qualidade do que é lhano e afável. Indica candura,
singeleza. Vem do espanhol, e junta em si os fundamentos da franqueza e da
simplicidade. Lhano é aquele que é movido pela franqueza, que é franco, sincero,
natural e verdadeiro. E o é de maneira simples, singela, amável e
despretensiosa.
Lhano se opõe tanto ao afetado e ao fingido e rebuscado, como
também ao tosco, ao presunçoso, ao ardiloso, ao vaidoso e ao soberbo.
Lhaneza seria a ponte entre a simplicidade e a verdade, entre a
sinceridade e a delicadeza. Aquilo que é lhano consegue tudo dizer, com força e
franqueza, sem afetação, fingimento, ardil, presunção ou rebuscamento.
Na
“lhanidade” recuperamos a simplicidade e a naturalidade de uma contaminação
pela infantilidade. Na “lhanidade” o ser bom nada tem a ver com o ser bobo,
inocente ou pueril..
Ou,
ainda retornando ao Rosa, “Falava-se de uma ternura perfeita, ainda nem
existente; o bem-querer sem descrença.”
Seria
possível uma humildade terna, lhana, sem descrença? Uma mansidão de espírito
povoada de amor? Conceda-me um pouco, meu deus?
A
esperança só pode viver na casa do presente. A esperança vive até onde nossas
mãos alcançam. A esperança tem em si a humildade do saber esperar. Com calma e
mansidão.
Enfim,
o que você já fez neste dia, nesta semana, para você mesmo, na direção dos seus
projetos mais vitais? A quanto tempo você não come seu prato predileto? Você já
deu um beijo em alguém que ama hoje?
Finalizando, de novo com Mario Quintana, que mostra de maneira poética como a felicidade está sempre
bem perto de nós.
DA FELICIDADE
Quantas vezes a gente, em busca da
ventura,
Procede tal e qual o avozinho
infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos
procura
Tendo-os na ponta do nariz!
Um comentário:
"Legal Nello. Li e gostei: as proximidades, o viável, as coisas que Deus vai separando pra nós. Um abraço."
comentário do amigo Marco Antônio.
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