sábado, 6 de outubro de 2012

Trecho do livro “ANTICANCER” de David Servan-Schreiber


“Um dia me chamaram à cabeceira de Joe, um rapaz coberto de tatuagens que tinha uma longa história de alcoolismo, drogas e violência. Ele se descontrolara ao ser informado de que tinha câncer no cérebro e derrubara tudo dentro do quarto. As enfermeiras, apavoradas com a violência, não queriam mais se aproximar dele. Quando eu me apresentei a ele na qualidade de psiquiatra, Joe parecia um leão na jaula, mas aceitou falar comigo. Eu me sentei ao lado dele e disse: "Eu sei o que lhe informaram, sei que está furioso, posso imaginar também que a notícia tenha provocado medo." Ele partiu  para uma diatribe violenta, mas passados vinte minutos estava chorando. Seu pai era alcoólatra, a mãe se fechara no mutismo, ele não tinha amigos e os tipos com quem bebia nos bares iriam seguramente rejeitá-lo. Ele estava perdido. Eu lhe disse: "Não sei o que poderei fazer por você, mas o posso prometer é que o verei em todas as semanas enquanto lhe for útil." Ele se acalmou e veio me ver todas as semanas durante os seis meses que precederam a sua morte.

Durante essas sessões, eu não tinha muita coisa a dizer, eu o escutava. Ele tinha trabalhado pouco tempo como eletricista, mas há muito não fazia mais nada, vivia de seguro social. Não falava com os pais e passava o dia diante da televisão. Estava terrivelmente só. Rapidamente se mostrou claro o que tornava sua morte desesperadora: ele nunca tinha feito nada com a própria vida. Eu lhe perguntei se no tempo que lhe restava para viver ele poderia fazer algo útil para alguém. Ele nunca tinha se perguntado isso. Refletiu e respondeu: 'Há uma igreja em minha rua, acho que posso fazer algo por eles. Eles estão precisando de um sistema de ar-condicionado. Eu sei fazer isso." Eu o encorajei a falar com o pastor, que se mostrou encantado com a proposta.

Então Joe passou a levantar todos os dias para ir a seu pequeno canteiro de obras. Os trabalhos avançavam lentamente devido a seu estado de saúde. Os frequentadores se acostumaram a vê-lo por ali. Davam-lhe bom dia, levavam comida e café. Pela primeira vez na vida ele estava fazendo alguma coisa verdadeiramente importante para os outros. Ele se transformou, nunca mais teve explosões de raiva.
E depois, um dia, não pôde mais trabalhar. Seu oncologista ligou e me disse que ele estava no hospital, que era o seu fim. Subi até seu quarto. Ele estava deitado, muito calmo, quase dormindo. Tinham retirado todos os intravenosos. Eu me sentei na cama para lhe dizer adeus. Ele abriu os olhos, tentou falar mas não teve forças, nenhum som saía dos seus lábios. Com uma mão fraca, fez um sinal para eu chegar mais perto. Encostei meu ouvido na sua boca e o ouvi murmurar: "Que deus o abençoe por ter salvado a minha vida."


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