segunda-feira, 15 de outubro de 2012

E Riobaldo fala da ambiguidade





(Da série “Como João Guimarães Rosa pode mudar sua vida”, parte 15)

Não sei se existe no romance outro trecho que se repita como este se repete: ao todo, ele aparece 4 vezes pelo livro afora.

E é um poema-música, cantado pelos jagunços

“Olererê, baiana...
eu ia e não vou mais: eu faço
que vou
lá dentro, oh baiana!
e volto do meio pra trás...”

Essa era a ... “cantiga de se viajar e
cantar, guerrear e cantar, nosso bando, toda a vida”...

Riobaldo era pessoa inquieta, de muitas dúvidas e angústias. E de muitas mudanças, mesmo no oficio do guerrear: começou no bando de Zé Bebelo, que queria combater os jagunços soltos no sertão, depois passou para um dos bandos de jagunços que antes iria combater... de certa forma essa canção retrata seu caráter, suas dúvidas e oscilações.

E também permite que façamos uma distinção entre ambivalência e ambiguidade.

Riobaldo transita entre a ambivalência e a plurivalência. Hermógenes, o traidor, é ambíguio. “O Hermógenes tinha voz que não era fanhosa nem rouca, mas assim desgovernada desigual, voz que se safava.”

Ambivalênte é o que tem duas valências, dois valores simultâneos, que podem ou não serem conflitantes entre si.

A ambíguo é aquilo que se deixa indefinido, escorregadio. Conforme o interesse se puxa mais para cá ou para lá. A ambiguidade é refratária à definição, à precisão.

Em algumas situações definir seria prejudicial, essas trazem em si dois ou mais valores e podem ser inclusive, além de ambivalentes,  plurivalentes.

Mas a ambiguidade não diz respeito ao caráter fluido do mundo. Diz respeito a deixar uma margem de manobra pra ser utilizada de acordo com o próprio interesse. Conforme for, puxo pra cá, ou puxo pra lá, num jogo de dissimulações.

A ambiguidade é essencialmente manipulativa.

Samuel Butler afirmou “Não me importa a mentira, mas odeio a imprecisão.”

A mentira mais cedo ou mais tarde se revela. Ela parece, mas não é, e isso acaba por colocar-se evidente. Já a imprecisão é irmã da ambiguidade e pode nunca revelar-se fundada no falso. Quando seu caráter de falso ameaça transparecer, ela escorrega para outro ponto. Se tentamos novamente precisá-la, ela torna a escorregar e muda novamente de lugar.

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