Jürgen Habermas é considerado o
principal membro da segunda geração da chamada Escola de Frankfurt. Este grupo
de intelectuais abordava a investigação social numa ótica de fundamento
predominantemente marxista e, pode-se dizer, pretendiam, desde sua primeira
geração de pensadores, gerar a emancipação das viseiras ideológicas, trazendo à
consciência as condições e deformações de nosso conhecimento do mundo. A tese
de base é que o mundo social carece do caráter "dado" do mundo natural
e deve ser visto como nossa construção. E, por isso mesmo, o mundo social
poderia ser diferente. Executar um projeto como este exige uma forma de ciência
social que seja reflexiva, ou seja, capaz de fornecer uma consideração de suas
próprias origens. Este enfoque recebeu o nome de Teoria Crítica.
A expressão "Escola de
Frankfurt" indica assim uma abordagem teórico-social que emprega métodos
de ciência social qualitativa para desta forma tentar expor a ideologia
responsável por diversas patologias sociais.
Podemos dizer que a diferença da
abordagem de Habermas em relação à teoria crítica foi o seu interesse em
especificar as condições sob as quais as interações humanas estariam livres de
dominação. Enquanto a primeira geração da dita escola havia examinado diversas
formas de crises econômicas, políticas ou psicanalíticas como fontes de
possíveis impulsos emancipadores, Habermas procurou estes impulsos no ideal de
interação interpessoal livre, encontrado na vida comum e, especificamente, na
comunicação lingüística.
Em
termos de desenvolvimentos teóricos, os anos importantes para a segunda geração
da Escola de Frankfurt foram de 1971 a 1981. Habermas reuniu a equipe de
pesquisadores que deu nova direção à teoria social crítica, produzindo teses
sobre a identidade d ego, competência comunicativa, desenvolvimento moral,
patologias sociais, processos de racionalização, evolução jurídica e assim por
diante. Esse também foi o período em que Habermas intensificou seu estudo da
filosofia analítica da linguagem como parte do desenvolvimento de sua
pragmática universal da comunicação.
Esse
trabalho culminou no texto que orientou a segunda geração da Escola de
Frankfurt: a "Teoria da Ação Comunicativa", de Habermas, publicado
pela primeira vez em 1981.
Para
Habermas e sua geração, o programa dos fundadores da Escola de Frankfurt perdeu
a plausibilidade ao não conseguir solucionar o problema das bases normativas.
Inspirando-se no conceito de alienação de Marx e em teses de Weber sobre os
processos de racionalização ocidentais, Adorno, Horkheimer, Marcuse, Fromm,
Benjamin e outros se opuseram à "reificação" do espírito humano pelas
forças capitalistas e burocráticas. Na medida em que eles pensavam que seus
padrões críticos necessitavam de análise, ofereceram como opção uma defesa quase metafísica, em vez de uma
justificação normativa. Além disso, apesar da aspiração a fornecer uma
fundamentação de sua crítica em uma forma auto-reflexiva de ciência social, não
conseguiam explicar como pretendiam ocupar um ponto de vista privilegiado do
qual poderiam expor a ideologia. Em outras palavras, deixaram de aplicar seu
padrão de reflexividade crítica a sua própria teoria.
Tornou-se
assim tarefa da Teoria da Ação Comunicativa definir um novo rumo. Nas palavras
do próprio Habermas, seu objetivo era desenvolver "uma teoria social
preocupada em validar seu próprio padrão crítico".
Para
Habermas, as bases normativas da teoria social crítica se encontram na
compreensão adequada da ação comunicativa, em particular das "pressuposições
idealizadoras" que devem ser efetuadas por uma pessoa que tenta chegar ao
entendimento sobre algo com alguém. Essa abordagem combina uma teoria de bases
normativas, de como é possível a ação social coordenada, com uma "teoria
do discurso", de como as afirmações são justificadas.
Habermas se concentra nas
características universais e gerais da ação comunicativa, afirmando que estas
fornecem uma base mais defensável para a crítica social.
A Teoria da Ação Comunicativa tem
como base o estudo do uso comunicativo cotidiano
(Resolvi negritar esta palavra pelo fato de que a compreensão destes processos
comunicativos serem do cotidiano talvez tenha sido a maior surpresa que tive
com suas aulas, eles ocorrem no dia a dia, e entre pessoas normais. Não são
processos especiais em condições controladas... eu não tinha entendido isso
ainda em meus estudos.) da linguagem por sujeitos que interagem. Habermas
denomina Pragmática Universal à
investigação que tem como objetivo descobrir as regras necessárias, independentemente
da língua e do contexto, para se produzir orações bem formadas e proferi-las
adequadamente. Assim, podemos dizer que ele aborda não apenas a competência
para formar orações, mas a competência de formá-las e empregá-las, como atos de
fala, em processos de entendimento, na prática comunicativa cotidiana.
“Todo sujeito que fala tem a
intenção de expressar, de forma inteligível, conteúdos verdadeiros sobre o
mundo objetivo, corretos em relação às normas vigentes e verazes em relação ao
seu mundo subjetivo, para que possa chegar ao entendimento com o ouvinte. Com
seu ato de fala, ele levanta pretensões universais de validade,
respectivamente, inteligibilidade, verdade, correção normativa e veracidade.”
“Revela-se, aqui, um dos mais
importantes elementos da Teoria da Ação Comunicativa, salto de qualidade que a
distancia do positivismo e das ciências empírico-análiticas, a saber, o
entendimento de que não só as questões de verdade proposicional, mas também as
questões normativas e vivenciais são passíveis de fundamentação racional, o que
se faz possível em face de uma racionalidade alargada”( Melo, 2005).
Três são os tipos de ação
fundamentais na Teoria da Ação Comunicativa.
Ação teleológica (ou
instrumental): O ator realiza um fim ou faz com que se produza o estado de
coisas desejado, elegendo, em uma situação dada, os meios mais congruentes e
aplicando-os de maneira adequada. É uma ação solitária e dirigida ao
êxito.
Ação estratégica: É o tipo
de ação que visa ao êxito e ao sucesso de um relacionamento objetivante e
manipulativo entre os atores. Passa de ação teleológica para ação propriamente
estratégica quando no cálculo se considera as expectativas de ação de pelo
menos mais um agente. A cooperação aqui se dá somente pelo cálculo egocêntrico
de utilidades. É uma ação social, pois envolve mais de um ator, e tem como
característica sempre possuir um elemento de coerção.
Ação comunicativa: se refere
à interação de pelo menos dois sujeitos capazes de linguagem e de ação que
entram em relação interpessoal. Os participantes buscam entender-se sobre uma
situação de ação para poder assim coordenar de comum acordo seus planos de ação
e com eles suas ações. O conceito nuclear aqui é de interpretação, e se refere
primordialmente à negociação de definições da situação suscetíveis de consenso.
É o tipo de ação que é coordenado pelo entendimento, onde os sujeitos agem
desprovidos de reserva e isentos de qualquer força que não sejam as forças de
suas razoes. Não aceita nenhum elemento de coerção.
Habermas critica Mead e
Durkheim que tentaram desenvolver uma teoria da ação a partir da perspectiva
“de dentro”, i. é, dos próprios atores. Ele considera que esta perspectiva é
unilateral, porque omite a perspectiva da sociedade enquanto sistema, ou seja,
sua abordagem a partir de um observador externo. Um conceito aceitável precisa
integrar os dois pólos, o mundo vivido e o sistema.
O mundo vivido é o pano de
fundo comum a todos os atores envolvidos numa mesma situação. Partindo do
conceito husserliano de horizonte Habermas distingue entre o horizonte
individual e coletivo. O primeiro é o conjunto de convicções de base, de saber
pessoal e social, de experiência vivida, de intuição, mas especialmente de
cultura e linguagem, que permitem ao ator se movimentar de forma inquestionada,
numa situação concreta. O horizonte social se compõe do que é partilhado por
todos os atores, compondo-se da experiência comum, das mesmas tradições, da
língua e da cultura compartilhada.
O mundo vivido reflete,
pois, o óbvio, o inquestionado, podendo no entanto modificar-se, na medida em
que se modificam as estruturas da sociedade global (especialmente a econômica e
a política, responsáveis pela reprodução material da sociedade).
O mundo vivido apresenta
assim duas facetas:
A faceta da continuidade,
porque é nele que se dão a reprodução cultural, a integração social e a
socialização.
A faceta da mudança, porque
é nele que se questionam e reformulam as aspirações de validade dos atores em
relação aos três mundos formais (o mundo objetivo, o mundo social e o mundo
subjetivo). É portanto no mundo vivido que podem ser contestadas as afirmações
sobre a verdade dos fatos relativos ao mundo objetivo, a validade das normas
relativas ao mundo social e a veracidade das manifestações subjetivas relativas
ao mundo das vivencias e subjetividade.
O conceito complementar ao
do mundo vivido é o conceito da ação comunicativa. A situação interativa é o
lugar onde a tensão entre ambos se concretiza. O saber acumulado, o sempre já
sabido e o tradicionalmente repetido constituem
o solo que nós sustenta, mas esta solidez é estremecida pela ação
comunicativa. O que sempre foi pode ser posto em questão numa situação de ação
comunicativa e debatida pelo grupo, que só respeitará o que tiver sido
consensualmente acordado.
Somente depois do
entendimento geral, alcançado através da ação comunicativa, pode a solidez do
mundo vivido ser restaurada.
Olhado na perspectiva dos
participantes, o mundo da vida tem a função de formar contexto e de prover
recursos para a ação comunicativa; por sua vez, a ação comunicativa serve à
reprodução do mundo da vida. Os participantes da ação comunicativa, ao se
entenderem entre si, reproduzem e renovam a cultura; ao coordenarem
lingüisticamente a ação, reproduzem lealdades; e a criança, ao participar das
interações, incorpora valores sociais e desenvolve habilidades; portanto, a
ação comunicativa tem as funções de, no que diz respeito à cultura, realizar a
reprodução cultural, isto é, a reprodução e renovação do saber válido; no que
diz respeito à sociedade, garantir integração social e produzir solidariedade,
logo, estabilidade das ordens sociais; e, no que diz respeito à personalidade,
promover os processos de socialização, que formam sujeitos capazes de fala e
ação. Dessa maneira, ação comunicativa e mundo na vida se relacionam de forma
circular: os sujeitos que interagem uns com os outros utilizando a linguagem
são ao mesmo tempo produto e produtores do contexto onde estão inseridos.
Já o conceito de sistema
serve para caracterizar as estruturas societárias responsáveis pela reprodução
material da sociedade: a economia e o estado burocrático. Trata-se de
mecanismos de regulamentação que dispensam a linguagem e o entendimento mútuo,
regendo a interação de forma quase automatizada. Constituem meio de orientação
para a ação instrumental, assegurando previsibilidade e calculabilidade,
tecnificando o mundo material, político e mesmo social. Trata-se de uma ordem
social cuja forma predominante de integração não é mais a comunicativa e, sim,
a sistêmica, através das formas automáticas do dinheiro e do poder.
Segundo Habermas dois são os
processos centrais que marcam a passagem das sociedades ditas primitivas para a
modernidade.
O primeiro é a disjunção do
mundo vivido e do sistema. Estes constituíam originalmente, uma unidade que foi
se desmembrando e desenvolvendo mecanismos autônomos de integração: a
integração social, assegurada pela ação comunicativa, e a integração sistêmica,
assegurada por mecanismos que dispensam, em princípio, a regulamentação
consensual. Nesta última atuam os mecanismos do dinheiro e do poder.
O segundo consiste na
colonização do mundo vivido por mecanismos de integração sistêmicos. A ação
comunicativa vai sendo gradualmente substituída – também na esfera do mundo
vivido – pelos mecanismos dinheiro e poder.
Enquanto herdeira da
teoria crítica, a teoria da ação comunicativa tem como tarefa principal
denunciar os processos que levam a comunicação sistematicamente distorcida, e a
patologias geradas pela colonização do mundo vivido. Cabe-lhe promover a
descolonizarão do mundo vivido, ou seja, a expulsão da razão instrumental e a
consolidação da ação comunicativa que assegura, através do entendimento e do
consenso, a integração social.
Situações isentas de coação,
em que se torne possível uma comunicação plena, não distorcida, em que as
aspirações de validade possam ser explicitadas, questionadas ou confirmadas
consensualmente, constituem o objetivo a ser alcançado na sociedade moderna.
Nenhum comentário:
Postar um comentário