Consiga ao menos um motivo justo pra
tratarmos pior as pessoas que mais amamos do que aos outros. E é isso que
fazemos muito frequentemente. Com desconhecidos somos polidos e educados. Com
os mais íntimos somos grosseiros e descuidados. Onde está a justificativa
razoável pra isso?
Se perguntássemos para um desconhecido
onde fica certa rua e recebêssemos a resposta:
- Moro neste bairro há anos, mas não
sei onde fica esta rua.
Responderíamos:
- Muito obrigado.
E procuraríamos outra pessoa que
pudesse melhor informar. Se perguntássemos ao nosso irmão - morador no mesmo
bairro - onde fica a tal rua e recebêssemos a mesma resposta muito
provavelmente responderíamos algo como:
- Mas você é burro, hem?
Em uma cena televisiva a personagem
mulçumana da novela chega a sua casa trazendo como convidada a nova amiga
brasileira. Ao entrarem na residência, a mulher mulçumana retira o véu e a
brasileira se surpreende:
- Mas você está toda arrumada...
- É...
- Sua roupa está linda, suas joias,
maravilhosas...
- É...
- Mas você se cobriu toda com o véu
para sair... E está tão linda... E só tira o véu dentro de casa... Você se
arruma assim para ficar em casa?
- Uai, (diria a mulçumana,
mineiramente...) você se arruma para desconhecidos? Para pessoas que você vai
encontrar na rua e nunca mais vai ver? Eu me arrumo para quem me ama.
- É...
- É...
É claro que poderíamos discutir a
opressão da mulher mulçumana, o domínio de seu corpo através do véu... , mas
não deixa de ser interessante sua colocação de como nos importamos muito mais
com a impressão que causamos em desconhecidos do que com a impressão que
causamos nas pessoas mais próximas.
As tiranias da intimidade são uma forma de agressão que acontece no dia a dia, em família ou com pessoas com quem temos mais intimidade, nas pequenas disputas, nas brigas por ninharias, num joguinho por pequenos poderes altamente viciante e contagiante. Seja gritando ou murmurando, seja com muita agressividade ou com cordialidade, acabamos por corroer nossa alma numa disputa absurda por um trono vazio de pretensões. As tiranias de intimidade podem por a perder anos de amizade ao semear dentro de nós uma certeza sutil e de crescimento lento e contínuo, a certeza simultânea de que não amamos e não somos amados. Acabamos cegos para enxergar os delicados sinais de amor ainda existentes, as brechas de reconciliação, o sentido maior que ainda poderia ser recuperado.
Meu avô, na minha adolescência, ao perceber meu nascente interesse em namorar, deu duas preciosas dicas:
- Primeira, se você gostar de uma menina, tente, diga a ela. Se não disser, o não está dado de antemão. Se disser, pode ser que ela diga sim e suas chances já aumentam bastante....
- Segunda, quando você começar a namorar, na primeira oportunidade que tiver, conheça a família da menina.
- Mas vô, isso é a última coisa que meus amigos querem fazer quando começam a namorar alguém...
- Eles estão equivocados. Conheça logo a família da menina. Veja como ela trata os pais e irmãos. É como ela vai te tratar quando tiver suficiente intimidade. Você precisa ver se gosta...
Sábio vovô!
As tiranias da intimidade são uma forma de agressão que acontece no dia a dia, em família ou com pessoas com quem temos mais intimidade, nas pequenas disputas, nas brigas por ninharias, num joguinho por pequenos poderes altamente viciante e contagiante. Seja gritando ou murmurando, seja com muita agressividade ou com cordialidade, acabamos por corroer nossa alma numa disputa absurda por um trono vazio de pretensões. As tiranias de intimidade podem por a perder anos de amizade ao semear dentro de nós uma certeza sutil e de crescimento lento e contínuo, a certeza simultânea de que não amamos e não somos amados. Acabamos cegos para enxergar os delicados sinais de amor ainda existentes, as brechas de reconciliação, o sentido maior que ainda poderia ser recuperado.
Meu avô, na minha adolescência, ao perceber meu nascente interesse em namorar, deu duas preciosas dicas:
- Primeira, se você gostar de uma menina, tente, diga a ela. Se não disser, o não está dado de antemão. Se disser, pode ser que ela diga sim e suas chances já aumentam bastante....
- Segunda, quando você começar a namorar, na primeira oportunidade que tiver, conheça a família da menina.
- Mas vô, isso é a última coisa que meus amigos querem fazer quando começam a namorar alguém...
- Eles estão equivocados. Conheça logo a família da menina. Veja como ela trata os pais e irmãos. É como ela vai te tratar quando tiver suficiente intimidade. Você precisa ver se gosta...
Sábio vovô!
Poderíamos argumentar tratamos sem cuidado as pessoas mais íntimas pelo fato de que com elas temos a
liberdade de sermos mais sinceros e espontâneos.
Mas o que acontece de fato é que em
nome de uma suposta sinceridade cometemos violências. Aproveitamos para deixar
vazar toda nossa impaciência, irritabilidade ou até inveja. E nós escondemos
atrás da falácia da sinceridade, de uma suposta autenticidade.
Quando um amigo me diz:
- Vou lhe falar uma coisa, mas só
porque sou muito seu amigo...
Ele raramente termina esta frase.
Porque eu sempre retruco:
- Se você é meu amigo e, por isso
mesmo, sempre falou com naturalidade comigo, sem precisar pedir licença para
tal... Agora vem pedir licença para ser sincero... Pense bem: será se você deve
falar isso mesmo?
E penso eu: Lá vem uma inveja
travestida de sinceridade.
E o amigo raramente termina sua frase.
Sinceridade não é falar o que dá na telha quando se tem vontade. Fazer isso indiscriminadamente seria uma absoluta desconsideração de minha parte em relação à pessoa que me escuta. Falo, neste caso, como se ela não existisse, como se não existisse a necessidade de outro para que a comunicação ocorresse.
Sinceridade é falar o que é importante no momento oportuno. Devo me perguntar se o que pretendo dizer é importante de fato, se de alguma forma vai possibilitar a comunicação, se é relevante no contexto. Mas devo também me perguntar se o momento é esse, se há realmente a possibilidade de a comunicação ocorrer.
Enfim, todo esse descuido ao tratar as pessoas mais próximas recebe um nome muito apropriado: as tiranias da intimidade. Esse nome tem aqui um sentido em parte semelhante, mas em maior parte diverso do utilizado por Richard Sennet, em seu livro “O declínio do homem público”. Aqui as tiranias da intimidade se referem a esse modo descuidado e até violento com o qual tratamos as pessoas mais íntimas. E que acaba por desgastar as relações, afastar as pessoas, induzir o desamor.
E o reverso seria tão simples, tal como expresso no poema de Camões:
"Uma
palavra, um gesto, um olhar bastava."
Um comentário:
Excelente. Bravo Nello
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