segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

E Riobaldo fala da desconfiança


 

(Da série “Como João Guimarães Rosa pode mudar sua vida”, parte 25).


E Diadorim finalmente reaparece.

“Demorei bom estado, sozinho, em beira d’água, escutei o fife dum pássaro: sabiá ou saci. De repente, dei fé, e avistei: era Diadorim que chegando, ele já parava perto de mim. Ele mesmo me disse, com o sorriso sentido:
– “Como passou, Riobaldo? Não está contente por me ver?”
A boa surpresa, Diadorim vindo feito um milagre alvo. Ao que, pela pancada do meu coração.”

Riobaldo fica feliz, é um milagre que toca seu coração. Mas se contém, e começa a desconfiar.

“Aí, mas um resto de dúvida: a inteira dúvida, que me embaraçava real, em a minha satisfação. Eu era o que tinha, ele o que devia. Retente, então, permaneci; não fiz mostra nenhuma. Esperei as primeiras palavras dele. Mais falasse; retardei, limpei a goela.
– “A pois. Por onde andou, se mal pergunto?” – aí falei. Aquela amizade pontual, escolhida para toda a vida, dita a minha nos grandes olhos...”

Diadorim não se abala com a paranoia de Riobaldo. E ele não teme, nada fez de errado. E age naturalmente.

“– “Você também não está bom de saúde, Riobaldo, estou vendo. Você derradeiramente não tem passado bem?”
– “Vivendo minha sorte, com lutas e guerras!”
Ao que Diadorim me deu a mão, que malamal aceitei. E ele disse de contar. Segundo tinha procurado aqueles dias sozinho, recolhido nas brenhas, para se tratar dum ferimento, tiro que pegara na perna dele, perto do joelho, sido só de raspão.”

Riobaldo permanece desconfiado, suspeitando.

“Menos entendi. A real que estando ofendido, por que era que não havia de vir para o meio da gente, para receber ajuda e ter melhor cura? Doente não foge para um recanto, ou mato, solitário consigo, feito bicho faz. Aquilo podia não ser verdade? Afiguro, aí bem que criei suspeitas: aonde Diadorim não teria andado ido, e que feia ação para aprontar, com parte na fingida estória?”

Mas Riobaldo não consegue não acreditar. A naturalidade e cordialidade (cordialidade aqui no seu sentido original: cordos, no latim, coração. Cordial é aquele que age com o coração, natural, verdadeiramente espontâneo) se impõe e a verdade penetra em Riobaldo, até então tentando manter-se impermeável.

“As incertezas que tive, que não tive. Assaz ele falava assim afetuoso, tão sem outras asas; e os olhos, de ver e de mostrar, de querer bem, não consentiam de quadrar nenhum disfarce. Magro ele estava, quasso, empalidecido muito, até ainda um pouco mancava. Que vida penosa não era capaz de ter levado, tantos dias, sem o auxílio de ninguém, tratando o machucado com emplastros de raízes e folhas, comendo o quê? Assunto de fome e toda sorte de míngua devia de ter penado. E de repente eu estava gostando dele, num descomum, gostando ainda mais do que antes, com meu coração nos pés, por pisável; e dele o tempo todo eu tinha gostado. Amor que amei – daí então acreditei. A pois, o que sempre não é assim?
Além do que era sazão de sentimento sereno: arte que a vida mais regateia. A vida não dá demora em nada. Nos seguintes, logo tornamos para tornar em guerra, com assanhamentos. De formas que perdi o semelhar de tantos manejos e movimentos e a certa razão das ordens que a gente cumpria. Mas fui me endurecendo às pressas, no fazer meu particípio de jagunço, fiquei caminhadiço. Agora eu tinha Diadorim assim perto de afeto, o que ainda valia mais no meio desses perigos de fato. Sendo que a sorte também prevalecia do nosso lado, aí vi: a morte é para os que morrem. Será?”

Nas situações onde a comunicação encontra-se obstruída ou parece direcionar-se para o conflito, três atitudes são encontradas.

A primeira é chamada de atitude passivo-agressiva. Nesta o medo do conflito impera e todos os esforços são no sentido de evitá-lo. Mente-se, combinam-se coisas que se sabe de antemão que não serão feitas, fala-se mal por trás, mas pela frente em tudo se concorda, mas nada do acordado será feito. É, de longe, a atitude mais comum. Cerca de 80% das pessoas portam-se desta forma.

A segunda é a atitude agressiva. Essas pessoas podem até comportar-se de maneira passivo-agressiva inicialmente, mas logo perdem a cabeça e partem para o ataque. Xingam, esbravejam ou se retiram de maneira afrontosa. Há o senso comum de que os agressivos pelo menos “botam para fora” e por isso se desgastariam menos que os passivo-agressivos, que engolem qualquer coisa pra evitar um desentendimento. Ledo engano. Os índices de estresse e até de ataques cardíacos dos dois grupos são semelhantes. De 10 a 15 % das pessoas pertencem a esse grupo.

Esses dois tipos anteriores normalmente não conseguem desobstruir a comunicação.

Por fim, há a terceira atitude, os assertivos. Normalmente começam a tentar comunicar com um elogio verdadeiro, ressaltando algum aspecto positivo do interlocutor ou da relação. Em seguida falam da dificuldade em questão, de maneira clara e precisa, sem procurar culpados pelo problema, mas sim procurando saídas e soluções. O núcleo dessa comunicação, apesar de se caracterizar pela precisão nos argumentos, é emocional. É emocional no gestual do elogio verdadeiro: o olhar, o tom de voz, os gestos e atitudes, tal como na estória anterior de Diadorim, não deixam dúvidas que se está falando a verdade.  Mas também costuma ser emocional no conteúdo, quem comunica de maneira assertiva costuma dizer o que está sentindo no momento. Talvez o faça intuitivamente, sabendo que não cabe contestação quando dizemos que nos sentimos tristes ou frustrados frente a tal situação. Os assertivos não costumam passar de 5% das pessoas.

Mas a boa notícia é que se pode aprender a ser assertivo.

Eu chamava a comunicação assertiva, antes de descobrir esse conceito, de comunicação surpreendente. O interlocutor espera que venha um inimigo e esse não aparece. E nessa surpresa a brecha comunicativa acaba por se revelar.

Nenhum comentário: