(Da
série “Como João Guimarães Rosa pode mudar sua vida”, parte 45)
E
Riobaldo consegue atravessar o deserto com seu bando. E por esse caminho insuspeito
chegam de surpresa na fazenda de Hermógenes. E tudo destroem.
Daí, só se esperou o listrar da primeira barra e a
ponta da manhã estremecente. Segundo nosso uso. Demos fogo. Digo franco: feio o
acontecido, feio o narrado. Sei. Por via disso mesmo resumo; não gloso. No fim,
o senhor me completa. Mas, fazia tempo que não se dava combate, e o propor da
gente era tribuzana, essas ferocidades assim.
(...)
Aqueles que estavam lá eram homens ordinários – derreteram
debaixo do pé de meus exércitos. O que foi um desbarate! Como que já estavam de
asas quebradas, nem provaram resistências: deles mal ouvi uns tiros. E a gente,
nós, estouramos para o centro, a surto, sugre, destrambelhando na polvorada,
feito rodeio de vento. Assaz. Do que fiz, desisto. Todos não fizeram? Volvido,
receei que Diadorim não me aprovasse; mas Diadorim concordou com os fatos, em
armas, em frente. O que se matou e estragou – de gente humana e bichos, até boi
manso que lambia orvalhos, até porco magro em beira de chiqueiro. O mal regeu.
Deus que de mim tire, Deus que me negocie... À vez.
De
novo o autor não permite que nos agarremos – como ordinário bem gostamos – à
lógica dicotômica, onde o bom está de um lado e o mal do outro, onde o herói
nunca é cruel. O autor tenta nos livrar das amarras do estereótipo, do sentido
único e nos lançar na liberdade da incerteza e da pluralidade. Em todo o
romance é isso. Uma luta contra o clichê que aprisiona a linguagem e a vida.
E o
bando aprisiona a esposa de Hermógenes. E botam fogo na casa. E agora esperam
que o inimigo venha buscar a mulher, venha combater.
Riobaldo
sobe um morro para olhar mais longe.
E
poupa a vida de um velho que um jagunço mais inexperiente estava para matar. E
conversa com ele sobre o sertão.
-
“Sertão não é malino nem caridoso, mano oh mano!: – ... ele tira ou dá, ou
agrada ou amarga, ao senhor, conforme o senhor mesmo.”
Algumas
andanças depois e eles encontram um dos chefes inimigos, Ricardão. E a batalha
começa.
E estralou bala... Repisei em minhas estribeiras,
apertei as pernas nas espendas. Eu tinha de comandar. Eu estava sozinho! Eu
mesmo, mim, não guerreei. Sou Zé Bebelo?! Permaneci. Eu podia tudo ver, com
friezas, escorrido de todo medo. Nem ira eu tinha. A minha raiva já estava
abalada. E mesmo, ver, tão em embaralhado, de que é que me servia? Conservei em
punho meu revólver, mas cruzei os braços. Fechei os olhos. Só com o constante
poder de minhas pernas, eu ensinava a quietidão a Siruiz meu cavalo. E tudo
perpassante perpassou. O que eu tinha, que era a minha parte, era isso: eu
comandar. Talmente eu podia lá ir, com todos me misturar, enviar por? Não! Só comandei.
Comandei o mundo, que desmanchando todo estavam. Que comandar é só assim: ficar
quieto e ter mais coragem.
Mais coragem que todos. Alguém foi que me ensinou aquilo,
nessa minha hora? Me vissem!
E quando a guerra para o meu lado relambeu, feito repentina
labareda dum fogo. Uns vieram. E os tiros – deles, – bala batia e rebatia.
Cortavam capim do chão, que riscavam com punhado de terra. Tch’avam partes de
ramos da árvore por cima de mim, e vagens do angico, que então reconheci por
isso. Como quieto fiquei. Eu não era o chefe? Mesmo que uma carga de rifle se
passou em meu chapéu-de-couro-de-vaca, e que outra, zoante, em meu jaleco
raspou. A mil, que não movi mão, mas dei desprezo.
(...)
Morresse – tive preguiça de pensar – mas, morresse,
então morria três-em-pé, de valente: como o homem maior valente no mundo todo,
e na hora mais alta de sua maior valentia! À fé, que foi.
Riobaldo
segue sua busca por mais coragem. Quer ser o maior dos valentes, quer se
esquecer de todo o medo que já sentiu. E quer que todos vejam, aprisionado que
está na opinião alheia. Ele ainda tem vergonha de si, do tempo em que sentiu
medo.
O
bando de Riobaldo ganha a batalha. E cerca Ricardão numa tapera. E Ricardão
morre. Agora só falta o Hermógenes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário