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quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Do amor à vida



Quanto atentos estamos ao mais singelo aspecto ao nosso redor?

Essa rachadura na parede à nossa frente será, provavelmente, consertada em tempo. Mas mesmo que não o fosse, mesmo que tudo aqui ruísse, ainda assim, sobre as pedras que sobrassem, musgos, capim, moitas e, depois, árvores, viriam, transformando e recriando esse lugar.

Esse menino esteve doente outro dia. Mas a febre passou e ele voltou a comer melhor. Já está crescendo de novo.

Mesmo após um tsunami, após a explosão de um vulcão, ou um terremoto, ou guerras terríveis, mesmo após isso tudo, a vida volta. 

Será se precisaríamos passar por enorme apuro para, somente então, conseguirmos vislumbrar as janelas, portas e frestas abertas?

Quando biófilos conseguimos ver melhor.

Parece que temos a necessidade de projetos duradouros, por nossa sede de permanência. O trabalho nos tomará muitos anos. Os filhos, se os tivermos, mais tantos. Mas um dia estaremos aposentados e nossos filhos estarão cuidando da vida deles (e isso nos fará felizes). Nosso conjugue poderá demorar mais que os outros dois. Mas um dia também poderá nos deixar. Contudo, os três, como tudo que é vivo, seguirão seu curso, afirmando cada qual a sua finitude. Nós também.

O amor à vida não seria, pois, o afeiçoar-se a esses processos, essas jornadas? A esperança - belo sinal da presença biófila - não seria também algo semelhante? Um saber-se finito e a caminho dessa finitude, e permanecer caminhando, intuindo que é nesse caminhar que permanecemos, mesmo se formos?

É como Miguilim descobrindo a beleza do mundo pouco depois de perder seu irmãozinho, o Dito.

O amor à vida é como o capim agora verdinho, que depois de meses de seca, acaba de ver chuva. É como a cadelinha sumida do sítio que reaparece cheia de cachorrinhos.  É como aquela pessoa arrasada por meses depois de um término de um amor que conhece alguém muito legal e se vê com os olhos brilhando. É como a cidade depois da enchente que começa a se limpar, tirar a lama, se assemelhando ao que era antes. O amor a vida se parece com a pessoa magoada, triste por pensar que nunca recuperaria aquela amizade e que se assusta ao perceber que já conversa com o amigo, esquecendo-se, ao menos por momentos, do rancor. Se parece com um filho inesperado para um casamento até então infértil, ou com um casamento sem filhos que descobre outros frutos gerados. Ou com um neném boquiaberto ao ir descobrindo o mundo. Ou com uma criança às vésperas do natal. O amor à vida é como um caderno novo no primeiro dia de aula. É uma aposta, de carta marcada, na beleza, bondade e sentido da vida.

O amor à vida está ao alcance de nossas mãos. Já. Agora. Se olharmos verdadeiramente o mundo. 

O amor à vida é um bom remédio para a saudade.


domingo, 2 de agosto de 2015

De como a cobiça, a pressa e o medo são irmãos


- Não sei o que fazer... Tenho um marido maravilhoso, um neném lindo... Mas meu colega no novo trabalho está dando em cima de mim! Pior! Estou interessada! Como posso estar apaixonada por esse cara?!
- Você não está apaixonada.

- Como não!?
- Você está com cobiça. A cobiça é também um tipo de pressa. E um tipo de medo.
- Como assim...?
- Ele é rico?
- É...
- Você sente que estando com ele os problemas de dinheiro acabariam. Você mudou de cidade, casou, teve filho, mudou de trabalho, iniciou uma pós, tudo ao mesmo tempo. Está com pressa. E cobiça. E medo. A renda é insuficiente. Mas é insuficiente agora. VocÊ acabou de se mudar. E se apertar um pouco dá pra adaptar. Mas ficando com o sujeito parece que tudo se resolveria. É a impressão que você tem. E ele parece tão legal, resolvido, simpático. Bem, legal por legal seu marido também é. E já o é há um bom tempo. E ele você conhece bem, ele é mesmo bem carinhoso e cuidadoso. Tá certo que não tem aquela paixão do início mais, mas paixão é assim mesmo, vai e volta. Ainda voltará com seu marido. E acabaria indo com esse cara. É assim mesmo.

(Um pouco mais sobre as diferenças entre amor, paixão e obsessão no link http://blog.opovo.com.br/psicologiadocotidiano/o-fim-noivado/ ).
- Mas como que esse cara pode estar a fim de mim? Ele está me seduzindo, puxa papo, trata muito bem...

- Ele não está a fim de você. Ele mal te conhece. É o desafio: Você é casada, tem filho, a vida certinha e ainda vai jogar tudo para alto para ficar com ele. Ele vai achar que pode tudo, que é gostoso demais. Qual é a fama dele mesmo?
- Pegador, garanhão, fica com todas e todo mundo quer ficar com ele...
- Pois é. Você é só mais uma, mais um troféu, mais uma conquista. Assim que ele conquistar vai perder a graça. E vai te deixar. Calma. Você está com pressa e com a impressão que sua vida se resolveria magicamente. Calma. As coisas estão indo bem. E esse aperto financeiro é momentâneo. Daqui a pouco você começa a ganhar melhor, daqui a pouco seu menino cresce e dá um pouco mais de sossego. Se você tiver calma tudo vai bem, se acertando. Você e Marcus têm um relacionamento legal, ele é um bom companheiro e um pai dedicado. Vocês tem tudo pra construir uma bela vida juntos. Calma. Pra que tanta pressa?
- É... Acho que você tem razão...
- Vem cá, vou lhe ensinar uma oração de minha autoria que se aplica bem a você e vai ajudar. Reze comigo: Senhor, muito obrigado por me ter me feito mulher. Na sua imensa graça e sabedoria Senhor, nada de melhor poderia ter escolhido. Pois, Senhor, se eu fosse um homem, com essa minha pressa, além de todos os problemas que eu já tenho, eu teria mais um: a ejaculação precoce. E, graças a Deus, sendo mulher, se eu tenho certa precocidade ou não, ninguém percebe mesmo... ninguém tem nada a ver com isso... Muito obrigada, Senhor...

Kely contou da oração para as amigas e agora, quando a turma percebe que ela está começando a ficar ansiosa, todas a cercam e, de mãos dadas, rezam a oração da mulher apressada para ela.
- E não é que vem funcionando?!


A cobiça, a pressa e o medo são irmãos. E se ficam juntos com frequência e sem cuidado, acabam desembocando na saudade.