domingo, 17 de fevereiro de 2013

41. E Riobaldo se defronta com o menino

 

(Da série “Como João Guimarães Rosa pode mudar sua vida”, parte 41)


Riobaldo agora pede que seus homens busquem nas redondezas todos aqueles que possam ajudar na guerra contra Hermógenes. E chegam as pessoas, algumas daquele lugarejo miserável e tomado pela peste, outras loucas abandonadas nos ermos lugares. E Riobaldo se pergunta se estaria cometendo alguma perversidade ao retirar essas pessoas de suas famílias e lugares. Pensa para si que não, que estava é retirando aquelas de suas misérias.

E saíram pelo sertão. Com alguns dias de viagem os guerreiros mais antigos vieram avisar que só se tinha três dias de farinha e carne-seca. Riobaldo julga a preocupação uma tolice. Também desconsidera o cuidado habitual de repartir o pessoal em grupos menores.

Cautelas... Que não. Eu fosse ter cautela, pegava medo, mesmo só no começar.

E vai Riobaldo tentando se afastar do medo. E vai tomando gosto em ver as pessoas com medo dele. Mas permanece receoso de ter o respeito por sua pessoa em algum momento rebaixado. E se critica:

Isso de estimar os outros, muito ligeiro, defeito esse que me entorpecia.

É Riobaldo a batalhar com seu espírito delicado, como se sua delicadeza fosse algum tipo de fragilidade.

E Diadorim estava mais silencioso, algo triste. E Riobaldo pensa que desde que virou o chefe via Diadorim mais afastado.

E vai gostando de ver o medo que inspira, ao passar com seu bando.

Apreciei de ver como todos souberam jeito de esconder o medo que de mim deviam de ter.

E chega agora o livro a um de seus trechos mais belo. E é curioso, esse trecho justo aqui, onde Riobaldo luta para se desvestir de sua delicadeza e cuidado e começa a gostar de ser temido. Eis que surge nesse exato ponto um trecho natalino, o nascimento de um menino, o novo a despontar, em sua natural beleza e fragilidade. Eis a belezura:

Da mulher – que me chamaram: ela não estava conseguindo botar seu filho no mundo. E era noite de luar, essa mulher assistindo num pobre rancho. Nem rancho, só um papiri à-toa. Eu fui. Abri, destapei a porta – que era simples encostada, pois que tinha porta; só não alembro se era um couro de boi ou um tranço de buriti. Entrei no olho da casa, lua me esperou lá fora. Mulher tão precisada: pobre que não teria o com que para uma caixa-de-fósforo. E ali era um povoado só de papudos e pernósticos. A mulher me viu, da esteira em que estava se jazendo, no pouco chão, olhos dela alumiaram de pavores. Eu tirei da algibeira uma cédula de dinheiro, e falei: - “Toma, filha de Cristo, senhora dona: compra um agasalho para esse que vai nascer defendido e são, e que deve de se chamar Riobaldo...” Digo ao senhor: e foi menino nascendo. Com as lágrimas nos olhos, aquela mulher rebeijou minha mão... Alto eu disse, no me despedir: - “Minha Senhora Dona: um menino nasceu – o mundo tornou a começar!...” – e saí para as luas.

É certo que Riobaldo julga que nesse trecho realizou grande obra. Afirmou novamente seu poder e autoridade, deu dinheiro e exigiu seu nome na criança. Mas “um menino nasceu – o mundo tornou a começar!” Trata-se aqui da vida surgindo novamente, inacabada, frágil e bela, iniciante, palmeando a realidade. O autor vem novamente bagunçar nossos conceitos. Vem balançar as categorias rígidas que gostamos tanto de usar para avaliar a realidade. Vem nos deixar com dificuldades de classificar afinal, o que se passa, qual o significado disso tudo?

É como se dissesse: É, Riobaldo. Já tem poder e mando. E a vida segue surgindo, inacabada e bela, apesar de você e junto a você.

E Riobaldo segue sua sina de chefe.

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