sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

40. E Riobaldo continua a se impor, para se afirmar como chefe




(Da série “Como João Guimarães Rosa pode mudar sua vida”, parte 40)

Riobaldo agora é o chefe. E se sente muito diferente. Parece que todas as nodoas do passado foram limpas.

Aí eu mandava. Aí eu estava livre, a limpo de meus tristes passados. Aí eu desfechava. Sinal como que me dessem essas terras todas dos Gerais, pertencentes. Por perigos, que por diante estivessem, eu aumentava os quilates de meu regozijo. À fé, quando eu mandasse uma coisa, ah, então tinha de se cumprir, de qualquer jeito. - “Tenho resoluto que!” – e montei, com a vontade muito confiada.

Mas agora ele tem a necessidade de se fazer conhecer, ele precisa do olhar alheio sobre si. O que sugere que as nódoas, mesmo que esmaecidas, ainda se faziam visíveis.

Era primeira viagem saída, de nova jagunçagem; e as extraordinárias cousas, para que todos admirassem e vissem, eu estava em precisão de fazer.

E Riobaldo dá uma ordem de mando para o rico fazendeiro, Seô Habão. Que ele leve a pedra, o presente que ele tinha guardado por muito tempo para Diadorim, para entregar a Otacília, que ele considera como noiva.

E ao olhar Diadorim percebe que ele está muito triste, tentando conter suas lágrimas. Percebe com total lucidez que estava assim por causa da pedra que lhe tinha sido ofertada, como presente de estima, antes.

Eu não tinha tido dó de Diadorim. “Dei’stá’, tem tempo, Diadorim, tem tempo...” – pensei, a meio. Da amizade de Diadorim eu possuía completa certeza. E mais não me amofinei. De manhã cedo, o senhor esbarra para pensar que a noite já vem vindo? O amor de alguém, à gente, muito forte, espanta e rebate, como coisa sempre inesperada. E eu estava naquelas impaciências. (...) Aquela tristeza de Diadorim eu não aceitei, nem ceitil não recebi. Ingratidão, para o mais-tarde.

E continua o processo de endurecimento de Riobaldo, em busca da valentia. Ele não parece surpreso com a reação de dor de Diadorim, ao ver a pedra sendo enviada à Otacília. Talvez mesmo tenha feito o ato como a avisar a Diadorim – e a todo o resto, e inclusive a si mesmo – que agora ele não hesita nem tem medo. Se ele afronta e desdenha seu maior amigo e amor, o que faria com outro qualquer?

Mas um olhar mais acurado perceberia as fissuras por trás de toda aquela dureza. A potência que, para se manifestar, precisa de uma imposição de força injustificável, já dá mostras de suas fragilidades. Riobaldo precisa se mostrar certo e sem hesitações justo por ainda sentir, dentro de si, o medo que lhe pertence.



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