segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

42. E Riobaldo tem mostras do amigo que é Diadorim


42. E Riobaldo tem mostras do amigo que é Diadorim

(Da série “Como João Guimarães Rosa pode mudar sua vida”, parte 42)

Certo grego já disse que, para diferenciar um amigo de um bajulador é importante observar como a pessoa se porta quando a fortuna nos sorri, quando as coisas nos engrandecem e nos fazem sentir maiores do que somos. O bajulador, agora que somos os tais, vem a nos adular e a ressaltar assim nosso auto-engano, nossa ilusão de que nossa frágil e humana condição foi superada. O amigo não, esse vem tentar nos trazer de volta a terra, nos atentar para nossa vaidade e da importância de se relembrar o que realmente tem valor em nossa vida.

Eis Diadorim a tentar acordar Riobaldo do entorpecimento de quando a fortuna lhe sorriu, de quando virou o novo chefe.

E era o que Diadorim agora desfazia em mim, no amargoso.
- “Repuno: que você está diferente de toda pessoa, Riobaldo... Você quer dansação e desordem...”

Riobaldo não gosta muito do que ouviu.

Mexi meu cuspe dentro da boca.

Diadorim continua.

- “ ... A bem é que falo, Riobaldo, não se agaste mais... E o que está demudando, em você, é o cômpito da alma – não é razão de autoridade de chefias...”

Riobaldo sente a amizade de amor na voz de Diadorim. Mas tem dificuldades, mesmo assim, de receber o dito.

Diadorim disse, e a voz dele, ecosa, me rodeou; as certas sinceridades. Amizade de amor surpreende uns sinais da alma da gente, a qual é arraial escondido por detrás de sete serras? Aí, demorei. Eu ia aceitar essa repreensão? Ah, nunca.

Mas Riobaldo fica preocupado, Diadorim falou da alma. Como poderia ele saber da noite na encruzilhada, tentando o pacto? E o pacto nem ocorreu...

Não vê, que nem precisava. Eu tinha guardado meus ouvidos. Eu não queria escutar o reto, naquela ocasião, por desânimo de ser. Diadorim tinha citado alma. O que ele soubesse, não soubesse, não tinha ciência de coisa nenhuma, da arte em que eu tinha ido estipular o Oculto, nas Veredas Mortas, no ermo da encruzilhada... Aquilo não formava meu segredo? E, mesmo, na dita madrugada de noite, não tinha sucedido, tão pois. O pacto nenhum – negócio não feito. Aprova minha, era que o Demônio mesmo sabe que ele não há, só por só, que carece de existência. E eu estava livre limpo de contrato de culpa, podia carregar nômina; rezo o bendito!

Diadorim estranhava os novos comportamentos de Riobaldo. Como quando se defrontou com nhô Constâncio Alves e resolveu, do nada, que teria que matá-lo. Mas é verdade que ficou dividido, matava ou não matava? E arrumou uma solução alternativa: faria a ele uma pergunta. Respondendo mal, morreria.

Aí a pergunta seguinte: - “Se sendo que o senhor é de minha terra, a pois: conheceu um homem que se chamava Gramacedo? Será, o senhor é parente dele?”

Só esperei. Ele dissesse que tinha conhecido o outro, e, aí, morria, por eu não poder não-matar; por quanto a salvação dele mermava, que nem morrão de candeia. E assim, com obrigação minha mesma, eu tinha para sempre combinado.

Mas, quando a mão de Riobaldo já tinha pousado no revólver, Nhô Constâncio Alves disse que não tinha conhecido ninguém com esse nome.

Riobaldo decide não matá-lo. Mas quando ele vai embora, diz a todos, novamente tentando se impor poderoso:

- “Perdoei este; mas, o primeiro que se surgir, destas estradas, paga!”

Eu disse. Eu ia cumprir?

E mais adiante encontram um sujeito, que vinha montado numa égua, acompanhado por um cachorrinho. Riobaldo vai se convencendo que ele merece morrer, que não merece dó. Ele pergunta pro menino que segue com o bando, o Guirigó, se deveras mata este homem. O sujeito parece escutar a conversa e começa a tremer.

E Riobaldo perde a vontade de matar. Por mais que queria eliminar de si qualquer delicadeza, segue não conseguindo. Queria permitir que o homem fosse embora. Mas se sentia na obrigação de matar. Porque não podia voltar atrás na palavra dada. E começa a arrumar justificativas. Diz que viu primeiro o cachorrinho, e que ele é que deve morrer. E manda soltar o homem e mandá-lo embora.

O povo começa a preparar o bicho para a execução e Riobaldo fica com dó de novo. E agora diz que viu primeiro foi a égua. Mas um colega de bando acaba vendo valor na égua, e pede pra ficar com ela. E Riobaldo então diz:

Delibero o certo: o primeiro que eu vi, foi essa égua. Ela tinha de receber a morte... Ah, mas égua não é gente, não é pessoa que existe. E que? Ah, então, não é cabível que se mate a égua, por tanto que a minha palavra decidida era de se matar um homem!

Não executo. A alçada da palavra se perdeu por si e se gastou – pois não está dito? Acho e dou que o negócio veio ao terminado.”

Verdadeiramente, com alegria, foi que todos me aprovaram. Ou seja que me admiravam em real, pela esperteza de toda solução que eu achava(...)

Riobaldo volta a interrogar Diadorim, sobre o recado que teria mandado a alguém, ainda incomodado com o amigo. Descobre que o recado foi para Otacília, sua noiva.

Diadorim esperou, sempre com serenidade. O amor dele por mim era de todo quilate: ele não tartameava mais de ciúme nem de medo. Disse assim:

- “Pedi a ela que rezasse por você, Riobaldo... Assim pela esperança de saudade que ela tivesse, que não esbarrasse de rezar, o todo tempo, por costume antigo...”

Riobaldo retruca.

- “Ah, não! Ah, você acha que eu careço de suas rezas orações, por minha ajuda, Diadorim?”

- “Acho, de manhã à noite, Riobaldo... Demais. Nem sei mesmo se alguém te botou o malefício... Tua mãe, mesma, que estivesse viva, achava...”

Riobaldo se envergonha e se ofende. Ainda não consegue receber o amigo que com ele se preocupa.

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