"A flexibilidade é a marca da evolução humana. Se os seres humanos evoluíram, como acredito, por neotenia, então somos, num sentido pouco mais que metafórico, crianças que não crescem. (Na neotenia, o ritmo de desenvolvimento mostra-se mais lento, e as etapas juvenis dos antepassados convertem-se nos traços adultos dos descendentes.) Muitas características essenciais de nossa anatomia vinculam-nos às etapas fetais e juvenis dos primatas: o rosto pequeno, o crânio abobadado, o cérebro grande em relação ao tamanho do corpo, o dedo grande do pé não rotado, o foramen magnum na base do crânio, determinando a orientação correta da cabeça na postura ereta, a concentração de pelos na cabeça, nas axilas e na zona pubiana. Se uma imagem vale por mil palavras, observe-se a figura 7.1 . Em outros mamíferos, a exploração, o jogo e o comportamento flexível são qualidades dos jovens, e só raramente dos adultos. Não só conservamos a marca anatômica da infância, como também a sua flexibilidade mental. A idéia de que a seleção natural tenha-se dirigido para a flexibilidade na evolução humana não é uma noção ad hoc nascida da esperança, mas uma implicação lógica da neotenia enquanto processo fundamental da nossa evolução. Os humanos são animais que aprendem.
No romance de T. H. White, The Once and Future King, um texugo conta uma parábola sobre a origem dos animais. Deus, diz ele, criou todos os animais em forma de embriões e chamou-os diante de seu trono, oferecendo-lhes quaisquer adições a sua anatomia que desejassem. Todos optaram por traços adultos especializados: o leão pediu garras e dentes afiados, o cervo chifres e cascos. Por último, veio o embrião humano e disse:
− Senhor, creio que me fizestes na forma que agora ostento por razões que conheceis melhor que ninguém; portanto, mudá-la seria descortês. Se posso escolher, prefiro manter-me como estou. Não alterarei nenhuma das partes que me destes… Continuarei a ser por toda a minha vida um embrião indefeso, fazendo o possível para construir alguns instrumentos com a madeira, o ferro, e os demais materiais que julgastes conveniente pôr ao meu alcance… “Muito bem”, exclamou o Criador em tom jubiloso. “Vinde aqui todos vós, embriões com vossos bicos e outras características, e olhai Nosso primeiro Homem. Ele é o único que adivinhou o Nosso enigma… Quanto a ti, Homem… terás a aparência de um embrião até que te enterrem; mas todos os demais serão embriões diante de teu poder. Eternamente imaturo, sempre conservarás em potencial a Nossa imagem; poderás conhecer algumas de Nossas aflições e sentir algumas de Nossas alegrias. Sentimos pena de ti, Homem, mas também esperança. Agora vai e faze o melhor que puderes.”"
In A Falsa Medida do Homem – Stephen Jay Gould
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