(Da série “Como João Guimarães
Rosa pode mudar sua vida”, parte 9)
“Diz-que-direi
ao senhor o que nem tanto é sabido: sempre que se começa a ter amor a alguém,
no ramerrão, o amor pega e cresce é porque, de certo jeito, a gente quer que
isso seja, e vai, na idéia, querendo e ajudando; mas, quando é destino dado,
maior que o miúdo, a gente ama inteiriço fatal, carecendo de querer, e é um só
facear com as surpresas. Amor desse, cresce primeiro; brota é depois. Muito
falo, sei; caceteio. Mas porém é preciso. Pois então. Então, o senhor me
responda: o amor assim pode vir do demo? Poderá?! Pode vir de
um-que-não-existe? Mas o senhor calado convenha. Peço não ter resposta; que, se
não, minha confusão aumenta.”
Falar
do amor tende a dar em confusão. E Riobaldo pede para que não se entre nesse
assunto para que sua confusão não aumente. Mas ele próprio já falou sobre o
amor e voltará a falar, inúmeras vezes.
Neste
trecho Riobaldo fala do amor que vai sendo construído, com a gente querendo e
ajudando, e fala do amor inteiriço fatal, cheio de surpresas.
De
certa forma ele está dizendo do amor e da paixão. E é importante completar a
conversa falando ainda da obsessão.
O
amor é a amizade do querer.
A
paixão é a ambição do querer.
A
obsessão é a cobiça do querer.
A
amor é sinônimo quase perfeito de amizade. Se o amor fosse uma mão, a palma
desta mão – a base, o fundamento - seria a amizade. Os dedos dessa mão seriam o
cuidado, o respeito, a admiração, o carinho e o desejo. O amor tem duas características
interligadas. Ele é reversível e exige reciprocidade. Se eu penso amar alguém,
vou na direção desse meu afeto e esta pessoa mostra não sentir amor por mim,
meu amor – se é realmente amor - se retraí. Sem a reciprocidade do amor do
outro o amor se reverte e deixa de ser amor.
O
amor sempre é bom.
A
paixão é a ambição do querer, é o querer com entusiamo. A paixão é a graxa que
vem recuperar a flexibilidade das molas do amor. Ela nada tem de ruim. Ruim é
fazer o que fazemos quase sempre: confundi-la com o amor. Pois como a paixão
trás em sua natureza a inconstância – ela vai e volta, ela aumenta e diminui,
ela aparece e some – sempre que ela arrefece achamos que não amamos mais. Mas
se tivéssemos um pouco de paciência veríamos que ela retornaria. E que, mesmo
com ela ausente, ainda assim o amor estaria presente. Um amor mais calmo, mais
sereno, mas que se esperar um pouco, verá, mais cedo ou mais tarde, o retorno
da paixão e do entusiasmo.
Assim
a paixão pode ser boa ou ruim, dependendo de se a confundimos ou não com o
amor.
A
obsessão é a cobiça do querer. É um querer que não aceita que o outro não
queira e que está disposto a quaisquer condições para permanecer com o outro.
Nesse sentido a obsessão é o contrario do amor: ela é não reversível e não
exige a reciprocidade. Contando que você fique comigo, pouco importa que seja
por amor, se for por qualquer outro motivo – por culpa, dó, falta de opção
melhor, medo de ficar só, constrangimento ou qualquer outro motivo – ainda
assim, se prisioneiro da minha obsessão, eu aceitaria.
Se
o amor é sempre bom e a paixão pode ser boa ou não, a obsessão nunca é boa. Ela
é a própria negação do amor e a ausência da soberania. Já não escolho tampouco
sou livre: sou é prisioneiro do meu querer e de minhas vontades.
Quanto
sofrimento seria evitado se tivéssemos essa diferenciação bem clara em nossas
cabeças?
Um comentário:
Nello, estou relendo o Grande Sertão em sua companhia,muito bom.É como visitar o conhecido acervo de um museu, com os olhos de um novo guia;Penso muito nos grupos do Dr. Ely e equipe,ainda lá na rua do Ouro, aí sendo apresentado ao Grande Sertão e uma chamada:entra.
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