(Da série “Como João Guimarães Rosa pode mudar sua vida”, parte 6)
E, logo depois que o romance
começa a falar da saudade, os personagens tentam a travessia do Liso do
Suçuarão pela primeira vez. O Liso era um deserto
terrível. Queriam atravessar por ele para tentar pegar de surpresa os inimigos,
aqueles que mataram por traição o pai de Diadorim. Mas cometem o erro de tentar
atravessar o deserto carregados demais de mantimentos. Tudo preveniram e
estocaram para a viajem. Mas, mesmo por isso, não conseguem realizar a
travessia. E são obrigados a voltar, com muitas perdas.
A saudade é um tipo de excesso de
bagagem que dificulta que atravessemos os vazios. Ficamos agarrados no para
trás e não conseguimos seguir caminhando.
E então, por volta da página 49,
Riobaldo fala sobre pactuar com o diabo. O autor parece querer mostrar que é
diante de nossas grandes travessias que sofremos a tentação de pactuar, de
tentar controlar as incertezas e angústias e dessa forma acabamos por perder o rumo.
Voltando da tentativa fracassada
de atravessar o Liso, sem provisões nem água, acabam por matar o que julgam ser
um macaco e se alimentam dele. Pouco depois descobrem que se tratava de um
homem, perdido e nu, alienado de si.
É um momento de desespero.
É um momento de desespero.
E Riobaldo fala da possibilidade
da existência ou não de Deus. Estamos na página 60:
“(...) Deus não há. Estremeço. Como não ter Deus?! Com
Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se
resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vaivem, e a vida é
burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar
– é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho,
pois no fim dá certo. Mas, se não tem Deus, então, a gente não tem licença de
coisa nenhuma! Porque existe dor. E a vida do homem está presa encantoada –
erra rumo (...)
(...) Deus existe mesmo quando não há.”
Ver ou não ver sentido na vida; ver ou não ver sentido no mundo.
Ver ou não ver sentido na vida; ver ou não ver sentido no mundo.
Aqui cabe uma diferenciação entre
a desilusão e a decepção.
Desiludir é diferente de
decepcionar. Desiludir é perder as ilusões. Esse processo é comumente
acompanhado de tristezas mas pode também ser acompanhado de alegrias, uma vez
que ao perder a ilusões nos aproximamos da realidade, e aproximar-se da realidade,
vê-la com mais clareza, saber melhor sobre ela, pode ser motivo de satisfação, descoberta e serenidade.
Decepcionar é mais profundo. Na decepção
não somente posso perder as ilusões que tinha como acabo por questionar meus
valores mais caros, minhas motivações mais profundas. Decepcionado posso
questionar os fundamentos que orientam minha vida. Se na desilusão posso ter a
alegria de aproximar-me da realidade, na decepção perco o sentido primordial do
meu viver.
Ou, nas palavras de Riobaldo...
"Estou contando ao senhor, que carece de um
explicado. Pensar mal é fácil, porque esta vida é embrejada. A gente vive, eu acho,
é mesmo para se desiludir e desmisturar."
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