(Da série “Como João Guimarães
Rosa pode mudar sua vida”, parte 8).
Neste
ponto do livro, por volta da pg. 102, voltamos no tempo e o menino Riobaldo
conhece o menino Diadorim.
“Aí
pois, de repente, vi um menino, encostado numa árvore, pitando cigarro. Menino
mocinho, pouco menos do que eu, ou devia de regular minha idade.”
A
afinidade é imediata e eles conversam sem cansaço.
“Mas
eu olhava esse menino, com um prazer de companhia, como nunca por ninguém eu
não tinha sentido. Achava que ele era muito diferente, gostei daquelas finas
feições, a voz mesma, muito leve, muito aprazível. Porque ele falava sem
mudança, nem intenção, sem sobejo de esforço, fazia de conversar uma
conversinha adulta e antiga. Fui recebendo em mim um desejo de que ele não
fosse mais embora, mas ficasse, sobre as horas, e assim como estava sendo, sem
parolagem miúda, sem brincadeira – só meu companheiro amigo desconhecido.”
E
Diadorim convida Riobaldo para passear de canoa. Ao entrarem no Rio São
Francisco Riobaldo fica com muito medo. E Diadorim fala:
“Carece de ter coragem...” – ele me disse. Visse
que vinham minhas lágrimas? Dói de responder: – “Eu não sei nadar...” O menino
sorriu bonito. Afiançou: – “Eu também não sei.” Sereno, sereno. Eu vi o rio.
Via os olhos dele, produziam uma luz. – “Que é que a gente sente, quando se tem
medo?” – ele indagou, mas não estava remoqueando; não pude ter raiva. – “Você
nunca teve medo?” – foi o que me veio, de dizer. Ele respondeu: – “Costumo
não...” – e, passado o tempo dum meu suspiro: – “Meu pai disse que não se deve
de ter...” Ao que meio pasmei. Ainda ele terminou: – “... Meu pai é o homem
mais valente deste mundo.”
(...) medo
do mulato, nem de ninguém, ele não conhecia.
Relembrando
texto anterior sobre a coragem:
Aqui é possível fazer uma primeira distinção entre coragem, valentia e
covardia.
Coragem é conseguir ultrapassar os receios
quando se é fundamental tentar. O medo está presente na coragem e vem
temperá-la, para que ela possa se equilibrar com a prudência. Coragem é seguir
o ditado: “É hora de se usar a tática da gelatina: vai tremendo, mas vai”. A
coragem remete, em sua etimologia, à palavra cordos, coração. E parece sugerir,
desta forma, que inclui em si os sentimentos e emoções, e que está perturbado por
estas não indica falta de coragem.
Coragem não é não sentir medo. Que mérito haveria
em fazer algo sem nenhum resquício de medo? Em que precisei me superar, me
alterar, para conseguir realizar, se não senti nenhum receio? O mérito está em
sentir medo, mas sabendo ser importante, conseguir ultrapassá-lo e não
paralisar.
Quando o medo toma a pessoa por inteiro,
chegando a paralisá-la, estamos falando então da covardia. Está é quando a
pessoa, diante da necessidade fundamental de tentar, se deixa imobilizar pelo
medo.
No polo oposto encontra-se a valentia, que é
o agir intempestivo, sem nenhuma prudência. Essa valentia assustadora,
aparentemente uma ação sem nenhum tipo de receio, na maior parte das vezes é
justamente o contrario disto: é uma ação possuída pelo medo, agora já
transformado muitas vezes em pânico.
Diadorim
diz nunca ter sentido medo. Ele está muito mais próximo da valentia do que da
coragem. E Riobaldo, que sente tanto medo, vislumbra em Diadorim a ausência
desse sentimento que tanto lhe atormenta, e fica impressionado.
Riobaldo
é uma pessoa em busca, que caminha por um tipo de iniciação. Terá duas grandes
questões a enfrentar em seu processo de transformação.
A
primeira questão será a busca por adquirir coragem e superar o medo paralisante. Mas seu
parceiro neste processo iniciático, ou seu modelo, desconhece o medo. Diadorim não é corajoso, é valente. E Riobaldo
sofrerá por tentar chegar à coragem via ausência de medo. Pois o caminho de
Diadorim o conduzirá a dor, como seu próprio nome parece indicar: dia-dor-zim.
Ou, nas palavras do próprio romance: “(Diadorim) que nasceu para o dever de
guerrear e nunca ter medo, e mais para muito amar, sem gozo de amor...”
A
segunda questão que terá que enfrentar é o aprendizado do amor e seu mestre
nesse aprendizado será Otacília. É por esse motivo que já perto do fim do
livro, logo após a morte de Diadorim, Riobaldo afirma por três vezes que a
estória se acabou e, apesar disto, continua a contá-la. Acabou a primeira fase,
a fase do aprendizado da coragem. Inicia-se a segunda fase, a fase do
aprendizado do amor.
Talvez pudéssemos dizer que a única coragem realmente digna desse nome é a coragem de amar.
Talvez pudéssemos dizer que a única coragem realmente digna desse nome é a coragem de amar.
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