sábado, 8 de setembro de 2012

E Riobaldo conhece Diadorim e admira sua coragem:


(Da série “Como João Guimarães Rosa pode mudar sua vida”, parte 8).

Neste ponto do livro, por volta da pg. 102, voltamos no tempo e o menino Riobaldo conhece o menino Diadorim.


“Aí pois, de repente, vi um menino, encostado numa árvore, pitando cigarro. Menino mocinho, pouco menos do que eu, ou devia de regular minha idade.”

A afinidade é imediata e eles conversam sem cansaço.

“Mas eu olhava esse menino, com um prazer de companhia, como nunca por ninguém eu não tinha sentido. Achava que ele era muito diferente, gostei daquelas finas feições, a voz mesma, muito leve, muito aprazível. Porque ele falava sem mudança, nem intenção, sem sobejo de esforço, fazia de conversar uma conversinha adulta e antiga. Fui recebendo em mim um desejo de que ele não fosse mais embora, mas ficasse, sobre as horas, e assim como estava sendo, sem parolagem miúda, sem brincadeira – só meu companheiro amigo desconhecido.”

E Diadorim convida Riobaldo para passear de canoa. Ao entrarem no Rio São Francisco Riobaldo fica com muito medo. E Diadorim fala:

 “Carece de ter coragem...” – ele me disse. Visse que vinham minhas lágrimas? Dói de responder: – “Eu não sei nadar...” O menino sorriu bonito. Afiançou: – “Eu também não sei.” Sereno, sereno. Eu vi o rio. Via os olhos dele, produziam uma luz. – “Que é que a gente sente, quando se tem medo?” – ele indagou, mas não estava remoqueando; não pude ter raiva. – “Você nunca teve medo?” – foi o que me veio, de dizer. Ele respondeu: – “Costumo não...” – e, passado o tempo dum meu suspiro: – “Meu pai disse que não se deve de ter...” Ao que meio pasmei. Ainda ele terminou: – “... Meu pai é o homem mais valente deste mundo.”
(...) medo do mulato, nem de ninguém, ele não conhecia.

Relembrando texto anterior sobre a coragem:

Aqui é possível fazer uma primeira distinção entre coragem, valentia e covardia.

Coragem é conseguir ultrapassar os receios quando se é fundamental tentar. O medo está presente na coragem e vem temperá-la, para que ela possa se equilibrar com a prudência. Coragem é seguir o ditado: “É hora de se usar a tática da gelatina: vai tremendo, mas vai”. A coragem remete, em sua etimologia, à palavra cordos, coração. E parece sugerir, desta forma, que inclui em si os sentimentos e emoções, e que está perturbado por estas não indica falta de coragem.

Coragem não é não sentir medo. Que mérito haveria em fazer algo sem nenhum resquício de medo? Em que precisei me superar, me alterar, para conseguir realizar, se não senti nenhum receio? O mérito está em sentir medo, mas sabendo ser importante, conseguir ultrapassá-lo e não paralisar.

Quando o medo toma a pessoa por inteiro, chegando a paralisá-la, estamos falando então da covardia. Está é quando a pessoa, diante da necessidade fundamental de tentar, se deixa imobilizar pelo medo.

No polo oposto encontra-se a valentia, que é o agir intempestivo, sem nenhuma prudência. Essa valentia assustadora, aparentemente uma ação sem nenhum tipo de receio, na maior parte das vezes é justamente o contrario disto: é uma ação possuída pelo medo, agora já transformado muitas vezes em pânico.

Diadorim diz nunca ter sentido medo. Ele está muito mais próximo da valentia do que da coragem. E Riobaldo, que sente tanto medo, vislumbra em Diadorim a ausência desse sentimento que tanto lhe atormenta, e fica impressionado.

Riobaldo é uma pessoa em busca, que caminha por um tipo de iniciação. Terá duas grandes questões a enfrentar em seu processo de transformação.

A primeira questão será a busca por adquirir coragem e superar o medo paralisante. Mas seu parceiro neste processo iniciático, ou seu modelo, desconhece o medo. Diadorim não é corajoso, é valente. E Riobaldo sofrerá por tentar chegar à coragem via ausência de medo. Pois o caminho de Diadorim o conduzirá a dor, como seu próprio nome parece indicar: dia-dor-zim. Ou, nas palavras do próprio romance: “(Diadorim) que nasceu para o dever de guerrear e nunca ter medo, e mais para muito amar, sem gozo de amor...”

A segunda questão que terá que enfrentar é o aprendizado do amor e seu mestre nesse aprendizado será Otacília. É por esse motivo que já perto do fim do livro, logo após a morte de Diadorim, Riobaldo afirma por três vezes que a estória se acabou e, apesar disto, continua a contá-la. Acabou a primeira fase, a fase do aprendizado da coragem. Inicia-se a segunda fase, a fase do aprendizado do amor.

Talvez pudéssemos dizer que a única coragem realmente digna desse nome é a coragem de amar. 

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