terça-feira, 16 de abril de 2013

Da felicidade ao alcance de nossas mãos



No nosso cotidiano temos que escolher se vamos privilegiar as estruturas da atividade ou as estruturas de poder, se vamos entrar no movimento da vida ou optar por tentar usar a vida instrumentalmente, via manipulação.

Ao alcance de nossas mãos o possível se apresenta. Mas temos que optar por ele. E abrir mão das miragens que se mostram no horizonte distante, contaminadas pelo ideal. Ou, nas palavras do poeta:


OS DEGRAUS

Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos - onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo...

Mario Quintana - Baú de Espantos

Que opta pelas estruturas da atividade afeiçoa-se ao aperfeiçoar-se. Sabe-se hoje um pouco melhor que ontem e um pouco pior que amanha. Há pessoas que não conseguem dizer essa frase. Num automatismo supersticioso não podem dizer que ficaram piores que alguma coisa. Existem também pessoas tão lamentadoras que só diriam que “hoje estou um pouco pior que ontem e um pouco pior que amanha”, na convicção de que sempre vai piorar.

Quem opta pelas estruturas da atividade é palmeiro, vai palmo a palmo tateando a realidade, tal como o homem, único animal a engatinhar, uma vez que os macacos não se movimentam sobre as palmas das mãos, mas sobre os nós dos dedos.

É próprio do humano ser palmeiro, mas tentamos negar nossa humanidade buscando o ideal, o perfeito, o sem erro. Ser humano é errar. E, se der, aprender algo com isso.

Guimarães Rosa escreve em certo livro “O princípio de toda maior bobagem é um se prezar demais o próprio da própria pessoa”.

Ou, como diria o capetão maior, no final do filme “O advogado do diabo”:
- A vaidade é meu pecado predileto!

Segundo Alceu Amoroso Lima a soberba é o maior dos pecados. Ela é a a busca indevida do divino enquanto perfeito. E seria a origem de todas as outras formas de perda da humanidade de cada qual, na busca de uma onipotência divina. Esse tipo de autodivinação do humano seria, ainda segundo esse autor, um tipo de antropocentrismo e de negação de deus. É um pecado mascarado pelo fato de que nenhum soberbo se julga soberbo e está de certa forma em todos os pecados, de uma forma disfarçada, essa hipertrofia do amor próprio. “O homem foi feito pra amar e respeitar a si mesmo. Quando trai esse amor por uma paixão idolatra de sua própria onipotência, ou se encobre pela falsa humildade, abre as portas pra soberba. A raiz do pecado é a ignorância de si mesmo.” Seria ainda um pecado simpático e ridículo.

Em relação a esta questão é interessante comparar a etimologia da palavra humildade com a etimologia da palavra humano.

Humildade vem do latim humilìtas,átis , que significa de pouca elevação, de pequena estatura. Humano se origina a partir da palavra latina humánus,a,um, que indica o que é próprio do homem.

Os dois vocábulos têm em comum o prefixo HUM, do latim húmus, significa terra, solo. Humilde nesse sentido indica o que permanece na terra, não se eleva da terra, aquilo que é humilde, de baixa estatura e por isso mesmo próximo ao solo. E Humano indica por sua vez habitante da terra, por oposição primeiro aos deuses, depois aos outros seres.

É de se notar que as duas palavras, humilde e humano, têm a mesma cognação, ou seja, vem de uma mesma raiz. Isso sugere uma íntima correlação entre os termos. Poderíamos então imaginar, em virtude desta correlação, que humano e humilde são termos irmãos. E poderíamos até nos arriscar a dizer que seria próprio do humano a humildade, o saber-se próximo do chão, o saber-se finito e limitado. E por ser assim incompleto o ser humano encontra o seu próprio mistério, que é ser um ser de aprendizagem, um ser que se constitui na aprendizagem durante toda a sua vida, nunca chegando a estar pronto.

Mas negamos essa condição de humanos aprendizes, e almejando a perfeição - perfeição esta inumana por definição - vivemos numa busca desesperada do sucesso, do não falhar, do chegar, ver e vencer absolutos. E assim vivemos prisioneiros da vaidade e da soberba, com pressa, medo e desesperança.

Qual seria a saída da vaidade e da soberba?

Guimarães Rosa faz uma sugestão ao dizer no seu livro “Tutaméia”, no conto “Aletria e hermenêutica” que “Se o tolo admite, seja nem que um instante, que é nele mesmo que está o que não o deixa entender, já começou a melhorar em argúcia.”

Parece sugerir assim a saída socratiana do auto-conhecimento.

Talvez uma outra forma de abordar o problema fosse reconsiderar um termo em desuso: a palavra lhaneza.

Lhaneza é a qualidade do que é lhano e afável. Indica candura, singeleza. Vem do espanhol, e junta em si os fundamentos da franqueza e da simplicidade. Lhano é aquele que é movido pela franqueza, que é franco, sincero, natural e verdadeiro. E o é de maneira simples, singela, amável e despretensiosa.

Lhano se opõe tanto ao afetado e ao fingido e rebuscado, como também ao tosco, ao presunçoso, ao ardiloso, ao vaidoso e ao soberbo.

Lhaneza seria a ponte entre a simplicidade e a verdade, entre a sinceridade e a delicadeza. Aquilo que é lhano consegue tudo dizer, com força e franqueza, sem afetação, fingimento, ardil, presunção ou rebuscamento.

Na “lhanidade” recuperamos a simplicidade e a naturalidade de uma contaminação pela infantilidade. Na “lhanidade” o ser bom nada tem a ver com o ser bobo, inocente ou pueril..

Ou, ainda retornando ao Rosa, “Falava-se de uma ternura perfeita, ainda nem existente; o bem-querer sem descrença.”

Seria possível uma humildade terna, lhana, sem descrença? Uma mansidão de espírito povoada de amor? Conceda-me um pouco, meu deus?

A esperança só pode viver na casa do presente. A esperança vive até onde nossas mãos alcançam. A esperança tem em si a humildade do saber esperar. Com calma e mansidão.

Enfim, o que você já fez neste dia, nesta semana, para você mesmo, na direção dos seus projetos mais vitais? A quanto tempo você não come seu prato predileto? Você já deu um beijo em alguém que ama hoje?

Finalizando, de novo com Mario Quintana, que mostra de maneira poética como a felicidade está sempre bem perto de nós.



DA FELICIDADE

Quantas vezes a gente, em busca da ventura,

Procede tal e qual o avozinho infeliz:

Em vão, por toda parte, os óculos procura

Tendo-os na ponta do nariz!





Um comentário:

Nello Rangel disse...

"Legal Nello. Li e gostei: as proximidades, o viável, as coisas que Deus vai separando pra nós. Um abraço."
comentário do amigo Marco Antônio.