sábado, 8 de agosto de 2015

Pai

Meus Amores, Óleo sobre tela, Nello Nuno.


Do que me lembro quando penso em você? E tenho tanta pena por me lembrar tão pouco...

Lembro-me de conseguir sua autorização para brigar de canivete com meninos bem mais velhos que estavam me provocando. Bem que tentei, mas eles acharam graça.

Lembro do dia que você chegou com alguma coisa de comer em casa - acho que eram uvas - e uma algazarra de meninos se montou em volta.

Algumas vezes tenho uma vaga lembrança de você bravo comigo. 

Lembro de estar quase sufocado quando você colocou sua perna em cima de mim quando brincávamos de brigar. Lembro que você ficou sem ar quando acertei uma cabeçada na sua barriga.

Lembro da gente no clube, você nadando de costas e eu deitado na sua barriga.

Lembro que uma noite acordei apavorado com o barulho de um monstro e descobrir que era você roncando.

Lembro que passava no Tofollo e jogava xadrez com o Ivan enquanto você bebia cerveja. Lembro de pegar dinheiro com você para comer um pudim de leite condensado na massaroca.

Tenho vagas memórias de você que não sei se são lembranças ou imaginações de casos escutados. Acho que sua voz está nessa categoria. Não sei se me lembro ou se imagino. Acho que era meio rouca, parecida com a minha. Mas pode ser que eu  desejasse que fosse.

Tem coisas que lembro de todos os detalhes. Mas não gosto. E não era você. Lembro direitinho de entrar no quarto e ouvir Meiga dizer que precisava me contar uma coisa. Lembro que vi Alessandra chorando e que, apesar de não saber de nada do que se passara, perguntei se você tinha morrido. Lembro que só chorei depois que Meiga começou a perguntar das coisas que fazíamos juntos.

Gostaria de me lembrar de tanta coisa. Mas o susto foi tão grande que acho que me esqueci. Apesar disso tenho a impressão de que meu corpo se lembra de você. Outro dia um senhor descobriu que eu era seu filho e disse que eu andava igualzinho a você. Gostei muito de saber. Gosto de pensar que eu puxei ao menos uma parte do seu bom humor. E uma parte da sua alegria.

Gostaria de me lembrar de você me ensinando a barbear. Foi meio arriscado aprender sozinho. Será se você me encorajaria a dizer pra coleguinha que eu gostava dela? Gostaria muito de me lembrar de você com meus filhos. Acho que Ângela ia adorar conhecer você, acho que voces combinariam bem. Gostaria de me lembrar, imagina, de beber com você em algum bar, apesar da tristeza que tantas vezes sinto quando bebo com alguém da minha família. 

Gostaria de me lembrar de uma despedida. Gostaria que eu pudesse ter-lhe dito adeus. Ou até logo.

Nenhum comentário: