Você tem um problema bastante conhecido, que tem até um
nome, é muito comum e é bastante bem-tratável. O nome deste problema é
Transtorno do Pânico e ele consiste em crises de pânico súbitas, repentinas,
imprevistas, espontâneas e recorrentes que incluem várias sensações como
vertigem, tonteira, taquicardia, sudorese, sensações de falta de ar,
formigamento, calafrios e muitas outras. Por causa delas, as pessoas tendem a
acreditar que estão diante de um perigo como morte iminente, por ataque cardíaco
ou asfixia, ou desmaio, queda, perda de controle, loucura, etc. É tão frequente
que atinge cerca de 3 % da população. Você não é o único: em uma cidade de 10
milhões de habitantes isso representa cerca de 300.000 pessoas.
Como estas crises acontecem de repente, em situações
variadas, e são muito assustadoras, as pessoas tendem a procurar, no início
deste processo, ajuda médica, em geral cardiológica, por pensarem que se trata
de um problema cardíaco. Aos poucos, com a repetição delas, começam a se sentir
inseguras e pouco confiantes em ficar sozinhas ou saírem à rua desacompanhadas.
Com isso passam a fazer muitas coisas apenas com a companhia de alguém, na ideia
de que se acontecer algo, o acompanhante poderá tomar providências como
levá-las a um médico ou para casa ou outro local sentido como seguro.
Às vezes este problema começa de forma mais gradual, sem
grandes crises, mas com um progressivo aumento na insegurança de fazer coisas
sozinho ou de enfrentar certas situações como passar em túneis, andar em
conduções públicas (como ônibus, 166 metrô, trens, aviões), frequentar cinemas,
teatros ou casas de espetáculos, andar em elevadores, pegar engarrafamentos,
etc. A ideia costuma ser a de que, como alguma crise ou mal-estar pode
acontecer numa situação dessas e, como a fuga delas é muitas vezes difícil, o
melhor é evitá-las, para não correr o risco, seja de acontecer o perigo
imaginado, seja de experimentar o intenso desconforto das sensações, ou de
comportarse de modo inusitado.
Há debates ainda sobre as causas desse problema. Alguns
médicos defendem que se trata de um problema bioquímico que só é tratável com
remédios. Há argumentos fortes a favor desta posição, mas também há problemas,
como os efeitos secundários que estas medicações produzem, como o fato de quase
2/3 dos pacientes voltarem a ter crises, uma vez suspenso o tratamento e ainda
como as evidências de cura através de tratamentos não-medicamentosos como a
psicoterapia comportamental. A nossa posição é que, quando as crises são muito
intensas e frequentes, o uso de medicação torna-se necessário. Mas quando são
menos frequentes ou mais brandas, uma intervenção estritamente psicológica é
mais desejável. Por que? Porque pensamos que a causa deste problema é
psicológica (o que não exclui a ocorrência de processos bioquímicos cerebrais).
São dois motivos principais:
Em primeiro lugar, é preciso a gente entender que o modo da
gente pensar afeta, isto é, determina o que se sente. Qualquer situação com que
nos deparamos, automaticamente nos faz pensar coisas boas ou ruins sobre ela.
Em uma situação, se eu penso que estou em perigo, sinto medo; se penso que vai
acontecer uma coisa ótima, fico alegre. Assim, qualquer sentimento é sempre
causado por algum pensamento ou algum evento externo. Mas as duas avaliações
podem estar erradas: de repente, eu descubro que não estou em perigo e o medo
passa; ou o que eu pensei que iria acontecer 167 de bom era um engano, e não
fico mais alegre. É assim que muitas vezes as coisas se passam na nossa cabeça
e na nossa vida.
É preciso também entender que sempre precisamos agir ou nos
comportar para saber qual a consequência deste nosso comportamento. O que
acontece em função de nosso comportamento determinará se nos comportaremos da
mesma forma no futuro. Quando ficamos preocupados com certos problemas,
tendemos a sentir ansiedade. Sentir medo ou ansiedade significa ter aquelas
sensações desagradáveis (falta de ar, taquicardia, etc.). Se, com certas
sensações do nosso corpo, pensamos que vamos ter um ataque cardíaco, é bastante
aceitável que fiquemos apavorados. Estamos acreditando mesmo que corremos
perigo. E se corremos perigo (ou pensamos que corremos), como não sentir medo?
A ocorrência daquelas situações (produzidas por ideias de perigo) confirma mais
ainda a idéia de um ataque cardíaco iminente, o que faz aumentar ainda mais a
intensidade das sensações, e assim por diante. Rapidamente, portanto, numa
espiral, acontece a crise de pânico. Mas, já reparou que tudo aquilo de pior
que você prevê nunca acontece? Ora, isto significa que estamos avaliando mal ou
pensando errado sobre estas situações. As avaliações que fazemos sobre estas
sensações estão incorretas e precisam, portanto, ser reformuladas. Todas estas
coisas fazem com que fiquemos meio como um radar reparando em tudo em volta e, sobretudo,
em tudo no nosso próprio corpo. Por causa disso, qualquer alteração ou sensação
“estranha” no nosso corpo quase sempre acaba sendo interpretada como um sinal
de uma doença perigosíssima ou de um perigo fatal e iminente. Mas a gente
pensar que alguma coisa é perigosa não quer dizer que, obrigatoriamente, ela
seja, por mais que o nosso pensamento pareça verdadeiro. Às vezes nos enganamos
mesmo quando pensamos que estamos certíssimos. Por isso, o tratamento consiste,
em parte, em ensinar a você a 168 descobrir quando você está pensando certo e
quando está pensando errado, para você poder deixar de ter medo de coisas que
não são verdadeiras ou reais. Da mesma forma você vai aprender novos
comportamentos de enfrentamento das situações que você tem medo. Por isso nós
vamos discutir seus pensamentos que ocorrem nas sessões e os que ocorrem fora
delas (e que você vai trazer anotados). Você vai aprender a testá-los para ver
se são verdadeiros ou se são lógicos. Por exemplo, eu quero que você respire
forte e rápido por dois minutos. Após 30 ou 40 segundos, ou mais um pouco, pare
e preste atenção no que você está sentindo. Não são sensações semelhantes às
que você teve quando em pânico? (Ex.: taquicardia, sudorese, boca seca, etc.)
Veja, primeiro, como você pode fazer coisas com seu corpo, sem querer. Mesmo
sem perceber, numa situação de estresse ou preocupação, respiramos
profundamente. Isto pode, como vimos neste exercício, provocar sensações
“estranhas” no nosso corpo (como essas que você acabou de sentir, semelhantes
às de ansiedade). Assim, fica fácil interpretá-las (erradamente) como sinais de
ataque cardíaco ou desmaio, por exemplo, e não apenas como (verdadeiramente)
sinais de ansiedade decorrente de preocupações.
Você vai aprender que uma coisa é algo ser perigoso e outra
é algo ser desagradável. Você já viu e sabe que o que se passou com você é algo
muito desagradável. Mas é perigoso? Se apesar de sentir as sensações
desagradáveis, nunca acontece nada do que você pensa que vai acontecer, isto
não será uma prova de que as suas sensações não são sinais de perigo? Descobrir
isso significa que você pode ter essas sensações, apesar de serem muito
desagradáveis, e que você não precisa fugir delas de qualquer modo,
desesperadamente, pois nada de perigoso está acontecendo. O problema se reduz
apenas em você aprender a minimizar a intensidade com que elas aparecem, para
não serem tão desconfortáveis. Para isso você vai aprender a relaxar e a respirar
de uma forma que produza relaxamento; vai aprender a examinar os seus
pensamentos para poder torná-los mais realistas e verdadeiros, que não possuam ideias
de ameaça irreais e falsas. Conseguir mudar seus pensamentos ajudará você, como
vimos, a deixar de sentir medo. Para exercitar tudo isso, será necessário você
se expor gradualmente às situações que produzem ansiedade e às sensações que
ela produz no seu corpo, de modo que você passe a reconhecer e compreender o
que se passa com você, nos seus pensamentos e no seu corpo. Assim, você vai
conseguir se acalmar nas próprias situações.
Com isso, você poderá (1) testar suas ideias distorcidas;
(2) verificar que são falsas; (3) descobrir que não precisa fugir
desesperadamente em busca de ajuda; (4) reconhecer que, sozinho, você poderá
superar e resolver tudo até se acalmar; e (5) reconhecer que você não precisa
de um acompanhante para ter segurança. Você terá então aprendido a manejar seu
medo/ansiedade/pânico e estará praticamente bom.
Mas faltará ainda alguma coisa. O outro aspecto é que
ficamos assim, com Transtorno de Pânico, quando temos medo de tomar decisões ou
de agir de modo independente, autônomo, confiante e seguro em nossas vidas.
Principalmente quando uma ou mais coisas estão insatisfatórias ou ruins na
nossa vida e não sabemos que fazer para mudá-las (ou sabemos, mas temos medo de
fazer o que queremos). Elas nos incomodam e provocam sentimentos ruins,
desagradáveis, que a gente tenta negar, evitar percebê-las. Aí, qualquer
situação que nos faça pensar que podemos perder o controle sobre elas nos
ameaça, pelo contato com elas e pela idéia de perda de controle que pode nos
levar a fazer o que desejamos mas temos medo de fazer. Isto pode produzir
crises de pânico que seguem a espiral que descrevi antes. Vamos precisar ver o
que está insatisfatório na sua vida e o que falta para que ela fique
satisfatória, como você quer que ela seja. Vamos precisar ajudar você a se
reorientar na vida; em vez de ficar se preocupando com o que há de ruim, com o
que pode acontecer de ruim, vamos tentar fazer com que você consiga se orientar
para o que há de bom, gostoso, positivo, desejável, realizador. Só manejar
crises não é o suficiente; é preciso acabar com aquilo que começou a
provocá-las. E isto, só com essa reorientação de vida.
In Psicoterapia Comportamental e Cognitiva, Bernard Rangé.
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