(Da série “Como João Guimarães
Rosa pode mudar sua vida”, parte 11)
E Riobaldo corre o risco de se encontrar com seu antigo grupo, comandado por Zé
Bebelo (que tentava combater os grupos de jagunços), e que ele abandonara
justamente para se tornar um Jagunço. É então alertado que eles podem matá-lo.
E começa a pensar sobre o medo.
“Foi que Titão Passos, pensando mais, me disse: – “Tudo temos de ter
cautela... Se eles já souberam notícia de que você fugiu, e te encontram, são
sujeitos para quererem logo te matar imediato, por culpas de desertor...” Ouvi
retardado, não pude dar resposta. Me amargou no cabo da língua. Medo. Medo que maneia.
Em esquina que me veio. Bananeira dá em vento de todo lado. Homem? É coisa que
treme. O cavalo ia me levando sem data. Burros e amulas do lote de tropa, eu
tinha inveja deles... Tem diversas invenções de medo, eu sei, o senhor sabe.
Pior de todas é essa: que tonteia primeiro, depois esvazia. Medo que já principia
com um grande cansaço. Em minhas fontes, cocei o aviso de que um suor meu se
esfriava. Medo do que pode haver sempre e ainda não há. O senhor me entende:
costas do mundo. Em tanto, eu devia de pensar tantas coisas – que de repente podia
cursar por ali gente zebebela armada, me pegavam: por al, por mal, eu estava
soflagrante encostado, rendido, sem salves, atirado para morrer com o chão na
mão. Devia de me lembrar de outros apertos, e dar relembro do que eu sabia, de
ódios daqueles homens querentes de ver sangues e carnes, das maldades deles capazes,
demorando vingança com toda judiação. Não pude, não pensava demarcado. Medo não
deixava. Eu estando com um vapor na cabeça, o miolo volteado. Mudei meu coração
de posto. E a viagem em nossa noite seguia. Purguei a passagem do medo: grande
vão eu atravessava.”
Riobaldo
fala neste trecho sobre os vários tipos de medo.
Maria Ângela
Junqueira Reis diferencia dois tipos importantes, o temor e o medo propriamente
dito. E fala de suas relações com a ação e com a paralisação da ação. Cito
trechos de seu trabalho:
“Então,
fiz essa monografia tendo como fio condutor as seguintes perguntas: Qual é o
conceito de medo? Qual é o conceito de ação? É possível o medo paralisar a
ação? Porque isso aconteceria? Assim, faço uma interlocução entre a terapia
ocupacional e a psicologia, que são as duas formações escolhidas por mim.
O temor
está ligado ao sentimento de impotência, na medida em que não se pode dominar
aquilo que se teme, o que pode ser traduzido pelo não poder fazer. Quanto maior
a impotência, maior o medo.
É ligado à
esperança de salvação. Se há temor, há alguma esperança de salvação, porque só
na presença da mesma existe temor. Quando se teme, trava-se uma luta em relação
ao que se teme. Para esse movimento existir, a esperança é essencial, caso
contrário, a luta seria em vão.
O temor
provoca deformação, fazendo as coisas parecerem maiores ou menores do que são.
Se for um pequeno temor que não perturbe muito a razão, leva à deliberação,
contribui para se agir bem. Se o temor for grande e prejudicar a razão,
impedirá a ação.
Na ação
estão presentes a flexibilidade, a indeterminação e a irreversibilidade, ou
seja, a impossibilidade de desfazer o que se fez. Para efetivar uma ação, é
preciso disposição frente ao indeterminado. É interessante pensar que o medo se
dá diante de situações que possuem esse caráter, ou seja, é justamente o que
gera temor. Então, o seu movimento é o contrário da ação, sua tentativa é de
eliminar essas características que são próprias da ação, paralisando-a.
(...)
Outra
saída para o temor é a noção de confiança proposta por Aristóteles. O que gera
confiança é o contrário do que gera temor. Significa se aproximar dos meios de
salvação, assim como dos meios de reparação e de proteção. Assim, a pessoa se
acerca da realidade, do que é possível e do que não é possível a ela fazer, e
delibera sobre sua ação. Pode escolher prosseguir, recuar ou parar, o que não
se caracteriza uma paralisação por ser uma decisão em virtude da deliberação.
Nesse contexto, pode-se pensar o medo enquanto proteção. O que significa,
segundo Pacheco, recorrer a própria experiência, o que dá ao homem mais
elementos de ação diminuindo, por isso, o temor.”
Assim,
poderíamos talvez afirmar que o medo se liga mais a prudência, ao cuidado na
ação. E o temor seria aquilo que realmente paralisa e não nos deixa agir, mesmo
quando isso seria muito importante.
Em
postagem anterior ( "Como João Guimarães Rosa
pode mudar sua vida", parte 6), fiz uma primeira distinção entre coragem,
valentia e covardia:
Coragem
é conseguir ultrapassar os receios quando se é fundamental tentar. O medo está
presente na coragem e vem temperá-la, para que ela possa se equilibrar com a
prudência. Coragem é seguir o ditado: “É hora de se usar a tática da gelatina:
vai tremendo, mas vai”. A coragem remete, em sua etimologia, à palavra cordos,
coração. E parece sugerir, desta forma, que inclui em si os sentimentos e
emoções, e que está perturbado por estas não indica falta de coragem.
Coragem
não é não sentir medo. Que mérito haveria em fazer algo sem nenhum resquício de
medo? Em que precisei me superar, me alterar, para conseguir realizar, se não
senti nenhum receio? O mérito está em sentir medo, mas sabendo ser importante,
conseguir ultrapassá-lo e não paralisar.
Quando
o medo toma a pessoa por inteiro, chegando a paralisá-la, estamos falando então
da covardia. Está é quando a pessoa, diante da necessidade fundamental de
tentar, se deixa imobilizar pelo medo.
No
polo oposto encontra-se a valentia, que é o agir intempestivo, sem nenhuma
prudência. Essa valentia assustadora, aparentemente uma ação sem nenhum tipo de
receio, na maior parte das vezes é justamente o contrario disto: é uma ação
possuída pelo medo, agora já transformado muitas vezes em pânico. Esse tipo de
ação, na maior parte das vezes, está direcionado ao fracasso.”
Acho que
ficaria melhor se partíssemos do seguinte: quando se falar de coragem estamos
também falando de medo. Quando se falar de valentia assustadora ou de covardia,
estamos falando de temor, como tão bem esclareceu Maria Ângela.
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