terça-feira, 23 de outubro de 2012

E Riobaldo fala da amizade


(Da série “Como João Guimarães Rosa pode mudar sua vida”, parte 13)


Um pouco antes no romance Riobaldo qualifica a amizade de Diadorim.

“Mas desci disso, o minuto, vendo que só mesmo Diadorim era que podia acertar esse tento, em sua amizade delicadeza.”

E começa assim, justapondo amizade e delicadeza, a pensar sobre a amizade. A amizade seria assim um amor sutil, delicado e cuidadoso.

Um pouco mais adiante ele volta à amizade, ao narrar o momento no qual Diadorim conta a ele que não se chama Reinaldo, mas sim Diadorim. Começa a aparecer o dilema de Diadorim: por ser o único filho de um grande chefe de jagunços, Joca Ramiro, foi criado como menino e era isso que todos pensavam. Neste ponto da historia Diadorim ainda não revela que é uma mulher a Riobaldo. Na verdade nunca o dirá. Mas a aproximação dos dois vai revelando o amor-amizade que os une. E dizer só a Riobaldo que não se chama Reinaldo é um estreitar amizades. 

“ – “Riobaldo, pois tem um particular que eu careço de contar a você, e que esconder mais não posso... Escuta: eu não me chamo Reinaldo, de verdade. Este é nome apelativo, inventado por necessidade minha, carece de você não me perguntar por quê. Tenho meus fados. A vida da gente faz sete voltas – se diz. A vida nem é da gente...”
Ele falava aquilo sem rompante e sem entonos, mais antes com pressa, quem sabe se com tico de pesar e vergonhosa suspensão.
– “Você era menino, eu era menino... Atravessamos o rio na canoa... Nos topamos naquele porto. Desde aquele dia é que somos amigos.”
Que era, eu confirmei. E ouvi:
– “Pois então: o meu nome, verdadeiro, é Diadorim... Guarda este meu segredo. Sempre, quando sozinhos a gente estiver, é de Diadorim que você deve de me chamar, digo e peço, Riobaldo...”
Assim eu ouvi, era tão singular. Muito fiquei repetindo em minha mente as palavras, modo de me acostumar com aquilo. E ele me deu a mão. Daquela mão, eu recebia certezas. Dos olhos. Os olhos que ele punha em mim, tão externos, quase tristes de grandeza. Deu alma em cara. Adivinhei o que nós dois queríamos – logo eu disse: – “Diadorim... Diadorim!”com uma força de afeição. Ele sério sorriu. E eu gostava dele, gostava, gostava. Aí tive o fervor de que ele carecesse de minha proteção, toda a vida: eu terçando, garantindo, punindo por ele. Ao mais os olhos me perturbavam; mas sendo que não me enfraqueciam. Diadorim. Sol-se-pôr, saímos e tocamos dali, para o Canabrava e o Barra.  Aquele dia fora meu, me pertencia. Íamos por um plaino de varjas; lua lá vinha. Alimpo de lua. Vizinhança do sertão – esse Alto-Norte brabo começava. – Estes rios têm de correr bem! – eu de mim dei. Sertão é isto, o senhor sabe: tudo incerto, tudo certo. Dia da lua. O luar que põe a noite inchada.

Reinaldo, Diadorim, me dizendo que este era real o nome dele – foi como dissesse notícia do que em terras longes se passava. Era um nome, ver o quê. Que é que é um nome? Nome não dá: nome recebe. Da razão desse encoberto, nem resumi curiosidades. Caso de algum crime arrependido, fosse, fuga de alguma outra parte; ou devoção a um santo-forte. Mas havendo o ele querer que só eu soubesse, e que só eu esse nome verdadeiro pronunciasse. Entendi aquele valor. Amizade nossa ele não queria acontecida simples, no comum, sem encalço. A amizade dele, ele me dava. E amizade dada é amor. Eu vinha pensando, feito toda alegria em brados pede: pensando por prolongar. Como toda alegria, no mesmo do momento, abre saudade. Até aquela-alegria sem licença, nascida esbarrada. Passarinho cai de voar, mas bate suas asinhas no chão.”

“Amizade dada é amor.” E Riobaldo faz assim a definitiva junção da amizade com o amor.

Eros é o deus grego responsável pela uniao dos seres vivos. Nos gregos vamos encontrar que fomos seres completos que foram cindidos porque ficaram arrogantes. Esta é a concepçao de aristófanes. Antes éramos completos e tínhamos a felicidade plena. Eros seria assim associado a uma falta que se sente enquanto tal e procura uma completude. Aqui temos claramente um ideal de perfeição que por si só nega a condição humana. Eros assim um desejo de completude. Mas seu preço é a perda do pessoal.
Então temos a philia, que seria afinidade, uniao, amizade. A amizade não acaba na sua realização, não é somente um desejo de poder, de conquistar. Ela se alimenta de si mesma. Aristoteles diz que o amigo é um outro de mim mesmo. A amizade é uma experiencia de alegria e contentamento, de envolvimento com o viver, um tipo de biofilia.
O amigo é aquele que você está com ele e quer continuar encontrando. A relaçao se alimenta de si. Se eros quer permanecer teria que virar amizade.

Santa Tereza Dávila completaria: “Oh! Como é bom o entendimento entre duas almas. Há sempre o que dizer sem cansaço!”

Para Marilena Chauí a “A adulação é contrafação (fingimento, simulaçao, falsificaçao, imitaçao fraudulenta) da amizade... A conspiraçao é a contrafação da companhia, a cumplicidade, contrafaçao da amizade, e sua marca, o assemelhar-se em crueldade.””Entre os maus, quando se juntam, há conspiraçao, não uma companhia; eles não se entre-amam, porém se entre-temem; não sao amigos, porém cúmplices””.

 Julián Marías, em seu “Tratado sobre a convivência” diz “Coexiste tudo o que existe juntamente e ao mesmo tempo. As coisas coexistem, e o homem com elas; conviver é viver juntos, e se refere às pessoas como tais. Isto é, com suas diferenças, com suas discrepâncias, com seus conflitos, com suas lutas no âmbito da convivência, dessa operação que consiste em viver juntos.
(...) Isto é precisamente a concórdia, cuja condição é o escrupuloso respeito ao que é verdade, ou seja, à estrutura da realidade, o que exclui a homogeneidade, a unanimidade, que escassas vezes existe.”

Conviver é deixar-se alterar pelo outro, abrir-se a ele e revelar-se, vinculando-se. A amizade é fundamentada na convivência, nesta característica essencial do humano. Ela nos constituí, vitaliza e dá sentido. E é o melhor sinônimo de amor possível.

Ou, voltando a Riobaldo...
"A amizade dele, ele me dava. E amizade dada é amor."
"Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. (...) Ou - amigo - é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por quê é que é."




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