quinta-feira, 11 de outubro de 2012

E Riobaldo fala da boa tristeza



(Da série “Como João Guimarães Rosa pode mudar sua vida”, parte 12)

“A tristeza. Aí, o Reinaldo, na paragem, veio para perto de mim. Por causa da minha tristeza, sei que de mim ele mais gostava. Sempre que estou entristecido, é que os outros gostam mais de mim, de minha companhia. Por quê? Nunca falo queixa, de nada. Minha tristeza é uma volta em medida; mas minha alegria é forte demais. Eu atravessava no meio da tristeza, o Reinaldo veio. Ele bem-me-quis, aconselhou brincando: – “Riobaldo, puxa as orelhas do teu jumento...” Mas amuado eu não estava. Respondi somente: – “Amigo...” – e não disse nem mais. Com toda minha cordura. Mas, de feito, eu carecia de sozinho ficar. Nem a pessoa especial do Reinaldo não me ajudava.

Sozinho sou, sendo, de sozinho careço, sempre nas estreitas horas – isso procuro. O Reinaldo comigo par a par, e a tristeza do medo me eivava de a ele não dar valor. Homem como eu, tristeza perto de pessoa amiga afraca. Eu queria mesmo algum desespero. Desespero quieto às vezes é o melhor remédio que há. Que alarga o mundo e põe a criatura solta. Medo agarra a gente é pelo enraizado. Fui indo. De repente, de repente, tomei em mim o gole de um pensamento – estralo de ouro: pedrinha de ouro. E conheci o que é socorro.”


Existem alegrias e tristezas boas e más.

A boa alegria diz respeito ao envolvimento com a vida. E como tudo que é vital é em aberto e encontra-se em transformação, a boa alegria diz respeito a abertura para o novo, à descoberta, à graça diante daquilo que se apresenta para nós e diante daquilo que conseguimos construir. A boa alegria diz respeito ao gozo genuíno do prazer de viver.

Ou, como diria Riobaldo, “O senhor tenha na ordem seu quinhão de boa alegria, que até o sertão ermo satisfaz.”

A má alegria é como uma euforia desmedida e auto-suficiente. Ela diz respeito aos nossos desejos de onipotência e de perfeição, aos nossos desejos de nunca errar e sempre estarmos certos. A má alegria é um tipo de hipomania cobiçosa convencional, na qual nos convencemos que estamos sempre certos e apressados, passamos ao largo da realidade, sem nada ver.

A má tristeza diz respeito à cólera desesperada, à magoa antiga,  ao ressentimento velho e ao rancor mofado. A má tristeza é projetiva e supõe que os outros, e somente eles, é que são responsáveis pelos problemas que temos, se alimentando da embriagante lamentação. A má tristeza procura culpados e não soluções, por vezes até foge das soluções. A má tristeza não leva à compreensão.

O filme “Hiroxima, meu amor” retrata uma boa metáfora da má tristeza quando a atriz principal, ao narrar o enorme sofrimento pelo qual passou durante a Segunda Guerra, vai afundando na dor e na lamentação e por pouco não enlouquece novamente. A má tristeza nos ensina que a dor deve ter sua medida ou nos afogaremos em nossas próprias lágrimas.

A boa tristeza diz respeito ao momento de parada, quando precisamos reavaliar nossos projetos e mudar de direção. A boa tristeza está relacionada à percepção do erro como um elemento de aprendizagem e de aproximação da realidade. A boa tristeza acontece quando compreendemos que as coisas não  transcorreram como gostaríamos, mas que agora, diante da clara realidade que se apresenta, podemos finalmente caminhar com os pés no chão. A boa tristeza leva à compreensão.

Na maior parte das vezes essas tristezas e alegrias se apresentam bem misturadas.

Mas, como diria Riobaldo...

“A gente vive, eu acho, é mesmo para se desiludir e desmisturar.”


Um comentário:

Anônimo disse...

Nello.Boa Tarde,eu tava precisando ler este texto hje p.desmisturar as 2 tristezas.rs.bjo.M.clara