Estudos sérios estão afastando as dúvidas que costumavam pairar sobre a
prática e mostram que ela é extremamente eficaz no tratamento do stress e da
insônia, pode diminuir o risco de sofrer ataque cardíaco e até melhorar a
reação do organismo aos tratamentos contra o câncer
Tiago Cordeiro
Meditação: arma
poderosa contra o stress ganha respaldo científico
A receita para lidar com dezenas de problemas de saúde é fechar os
olhos, parar de pensar em si e se concentrar exclusivamente no presente. A
ciência está descobrindo que os benefícios da meditação são muitos, e vão além
do simples relaxamento. "As grandes religiões orientais já sabem disso há
2.500 anos. Mas só recentemente a medicina ocidental começou a se dedicar a
entender o impacto que meditar provoca em todo o organismo. E os resultados são
impressionantes", afirma Judson A. Brewer, professor de psiquiatria da
Universidade Yale.
Iniciada na Índia e difundida em toda a Ásia, a prática começou a se
popularizar no ocidente com o guru Maharishi Mahesh Yogi, que nos anos 1960
convenceu os Beatles a atravessar o planeta para aprender a meditar. Até a
década passada, não contava com respaldo médico. Nos últimos anos, os
pesquisadores ocidentais começaram a entender por que, afinal, meditar funciona
tão bem, e para tantos problemas de saúde diferentes. "Com a ressonância
magnética e a tomografia, percebemos que a meditação muda o funcionamento de
algumas áreas do cérebro, e isso influencia o equilíbrio do organismo como um
todo", diz o psicólogo Michael Posner, da Universidade de Oregon.
A meditação não se resume a apenas uma técnica: são várias, diferindo na
duração e no método (em silêncio, entoando mantras etc.). Essas variações, no
entanto, não influenciam no resultado final, pois o efeito produzido no cérebro
é parecido. Na prática, aumenta a atividade do córtex cingulado anterior (área
ligada à atenção e à concentração), do córtex pré-frontal (ligado à coordenação
motora) e do hipocampo (que armazena a memória). Também estimula a amígdala, que
regula as emoções e, quando acionada, acelera o funcionamento do hipotálamo,
responsável pela sensação de relaxamento.
Não se trata de encarar a meditação como uma panaceia universal, os
estudos mostram também que ela tem aplicações bem específicas. Mas, ao
contrário de outras terapias alternativas que carecem de comprovação
científica, a meditação ganha cada vez mais respaldo de pesquisas realizadas
por grandes instituições.
Hoje, os estudos sobre os benefícios da meditação estão concentrados em
seis áreas.
Meditar é mais repousante do que dormir. Uma pessoa em estado de
meditação consome seis vezes menos oxigênio do que quando está dormindo. Mas os
efeitos para o cérebro vão mais longe: pessoas que meditam todos os dias há
mais de dez anos têm uma diminuição na produção de adrenalina e cortisol,
hormônios associados a distúrbios como ansiedade, déficit de atenção e
hiperatividade e stress. E experimentam um aumento na produção de endorfinas,
ligadas à sensação de felicidade. A mudança na produção de hormônios foi
observada por pesquisadores do Davis Center for Mind and Brain da Universidade
da Califórnia. Eles analisaram o nível de adrenalina, cortisol e endorfinas
antes e depois de um grupo de voluntários meditar. E comprovaram que, quanto
mais profundo o estado de relaxamento, menor a produção de hormônios do stress.
Este efeito positivo não dura apenas enquanto a pessoa está meditando. Um estudo conduzido pelo Wake Forest Baptist Medical Center, na Carolina do Norte, colocou 15 voluntários para aprender a meditar em quatro aulas de 20 minutos cada. A atividade cerebral foi examinada antes e depois das sessões. Em todos os pesquisados, foi observada uma redução na atividade da amígdala, região do cérebro responsável por regular as emoções. E os níveis de ansiedade caíram 39%.
Para quem já está estressado, a meditação funciona como um remédio. Foi o que os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos descobriram ao analisar 28 enfermeiras do hospital da Universidade do Novo México, 22 delas com sintomas de stress pós-traumático. A metade que realizou duas sessões por semana de alongamento e meditação viram os níveis de cortisol baixar 67%. A outra metade continuou com os mesmos níveis.
Resultados parecidos foram observados entre refugiados do Congo, que tiveram que deixar suas terras para escapar da guerra. O grupo que meditou ao longo de um mês viu os sintomas de stress pós-traumático reduzir três vezes mais do que as pessoas que não meditaram – índices parecidos aos já observados entre veteranos americanos das guerras do Vietnã e do Iraque.
A Universidade de Ciências da Saúde da Geórgia conseguiu melhorar a
sobrecarga cardíaca de 31 adolescentes americanos hipertensos. Os jovens apenas
acrescentaram um hábito a suas rotinas: meditar duas vezes por dia, durante 15
minutos, ao longo de quatro meses. Outros 31 receberam orientações médicas, mas
não meditaram. A primeira metade terminou o período de testes com a massa do
ventrículo esquerdo menor – sinal de redução dos riscos de desenvolver doenças
cardíacas e vasculares.
Outro levantamento, este da Universidade da Califórnia em Los Angeles,
mediu o acúmulo de gordura nas artérias de 30 pessoas com pressão alta. Depois
de meditar 20 minutos, duas vezes por dia, ao longo de sete meses, a quantidade
estava menor, enquanto que ela não havia sido alterada no grupo de controle.
Meditar também é útil para reduzir em 47% as chances de ataque cardíaco e infarto em adultos. Foi o que concluiu a Associação Americana do Coração, depois de acompanhar um grupo de pacientes de 59 anos de idade, em média, ao longo de nove anos, de 2000 a 2009. Todos continuaram recebendo a medicação necessária, mas metade foi convidada a participar de sessões de meditação sem regularidade definida. Neste grupo, a pressão arterial caiu significativamente. "Foi como se a meditação funcionasse como um medicamento totalmente novo e muito eficiente para prevenir doenças cardíacas", afirma o fisiologista americano Robert Schneider, diretor do Center for Natural Medicine and Prevention e responsável pelo estudo.
Técnicas de relaxamento profundo, colocadas em prática durante o dia,
podem melhorar a quantidade e a qualidade do sono. É o que aponta um estudo de
2008, do Northwestern Memorial Hospital, de Illinois. Cinco pessoas, com 25 a
45 anos e sofrendo de insônia crônica, foram submetidas a meditação durante
dois meses. Passaram a dormir duas horas a mais por dia e alcançaram níveis de
sono REM mais próximos do considerado saudável.
Em muitos casos, a insônia é sintoma de depressão. A meditação também funciona para atacar a causa. A Universidade da Califórnia conseguiu reduzir os casos de depressão entre 20 idosos com um simples programa de oito semanas de relaxamento, meia hora por dia. "No limite, meditar atrasar o aparecimento de sintomas do Alzheimer. A depressão na terceira idade é um fator de risco para o desenvolvimento desta doença", afirma o psiquiatra Michael Irwin, professor do Semel Institute for Neuroscience and Human Behavior da universidade.
O psicólogo Michael Posner e o neurocientista e professor da
Universidade de Tecnologia do Texas Yi-Yuan Tang mediram a densidade dos
axônios de pessoas que começaram a meditar. Quanto mais densos, maior a
capacidade de realizar conexões cerebrais e menores os riscos de sofrer
distúrbios mentais, de depressão a esquizofrenia. "A quantidade de
conexões cerebrais está diretamente relacionada à saúde mental. Neste sentido,
podemos dizer que a meditação é um exercício para a mente, excelente para
deixá-la mais 'musculosa' e prevenir doenças", afirma o professor Posner.
Quem tem a meditação como hábito sente menos dor. O pesquisador Joshua
Grant, do Departamento de Fisiologia da Universidade de Montreal comprovou esta
hipótese encostando placas aquecidas nas nucas de 26 pessoas, 13 delas sem
contato com a técnica e outras 13 com mais de 1000 horas de experiência em
meditação. A placa era aquecida a 46 graus, depois 47, e assim sucessivamente,
até 56. Todos os meditadores suportaram temperaturas acima dos 52 graus.
Nenhuma das pessoas inexperientes aguentou mais do que 50 graus. Na
medida, o grupo que medita respirou 12 vezes por minuto. O outro respirou 15
vezes, um indício de stress maior. "As pessoas que meditam precisam menos
de analgésicos. Elas sofrem menos pela antecipação da dor", diz Grant,
que, no cruzamento de dados, concluiu que o hábito de meditar provocou uma
resistência à dor 18% maior. De acordo com um grupo de neurocientistas do
Center for Investigating Healthy Minds da Universidade de Wisconsin-Madison, a
resistência de quem medita é maior em situações em que o stress influencia
diretamente no nível de dor – caso de artrite e inflamações intestinais.
O sistema imunológico também é favorecido. "O aumento da atividade
cerebral relacionada a pensamentos positivos tem influência direta na maior
produção de anticorpos. A meditação também intensifica a ação da enzima
telomerase", diz Judson A. Brewer, de Yale. As implicações desta
descoberta são fundamentais para o tratamento de tumores malignos. A Associação
Americana de Urologia já declarou que a meditação é recomendada para ajudar a
conter o câncer de próstata.
Também ajuda a lidar com o câncer de mama. Um grupo de 130 mulheres com
a doença, todas com mais de 55 anos, aceitaram participar de um teste que
reforça esta teoria. Ao longo de dois anos, elas foram divididas em dois
grupos, um deles fazendo meditação. A situação foi monitorada pelos médicos do
Saint Joseph Hospital, em Chicago. A metade que meditou teve maior resistência
para lidar com as dores provocadas pela quimioterapia e experimentou uma reação
física melhor à doença.
Na escola estadual Bernardo Valadares de Vasconsellos, em Sete Lagoas
(MG), os 1.400 alunos fazem, todos os dias, o Tempo de Silêncio. Quem desejar
pode aproveitar os 15 minutos para meditar. Quem não quiser, pode apenas
descansar. A iniciativa foi inspirada pela Fundação David Lynch, que já
orientou a criação de programas de meditação na escola estadual Presidente
Roosevelt, em São Paulo, e na escola estadual Helio Pelegrino, no Rio de
Janeiro.
“Estimamos que 20% dos estudantes continuam meditando por conta
própria”, diz Joan Roura, diretor da fundação no Brasil. “Alunos que meditam
são mais tranquilos, mais focados e têm maior capacidade de apreender
informações.” A prática rende melhores notas: entre 235 crianças de colégios de
Connecticut que começaram a meditar, representou um aumento de 15% nas provas e
avaliações.
As áreas do cérebro responsáveis pela memória e pela atenção chegam a
ficar mais densas quando se medita. Foi a conclusão a que chegaram
pesquisadores de Harvard, Yale e MIT, municiados por scanners de cérebro.
Pessoas que mediram com frequência ao longo de vários anos também demoram mais
para sofrer a redução destas áreas, em especial o córtex frontal.
“Um estudante que medita pode ter melhores notas, uma vida mais saudável
e boas condições de lutar por melhores postos no mercado de trabalho, com menor
tendência para sofrer doenças cardiovasculares, stress ou distúrbios mentais”,
diz Judson A. Brewer. Em resumo: “Meditar é uma boa forma de alcançar uma vida
mais feliz, saudável e produtiva”.
Fonte: revista Veja
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