(Da série “Como João Guimarães Rosa pode mudar sua vida”, parte
20)
Riobaldo, ainda inquieto e sem conseguir dormir, continua
sua conversa com Jõe. Os dois, depois da batalha, tinham essa dificuldade.
E Riobaldo questiona se jagunço, que vive em meio a “Pecados, vagância de pecados”, que “jagunço –
criatura paga para crimes, impondo o sofrer no quieto arruado dos outros,
matando e roupilhando”, será se podia esperar de Deus perdão e proteção?
E se acha tolo por esperar boa resposta de Joe, “broeiro peludo do Riachão do Jequitinhonha?” Riobaldo fica irritado com a primeira
resposta do amigo, “– Uai?! Nós vive...” e o questiona de maneira tão veemente
que um outro colega, que até então dormia, acorda e pede silêncio.
E Riobaldo explica o
motivo de tanta irritação:
“Que isso foi o que sempre
me invocou, o senhor sabe: eu careço de que o bom seja bom e o rúim ruim, que
dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do
bonito e a alegria longe da tristeza! Quero os todos pastos demarcados... Como
é que posso com este mundo? A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a
esperança mesmo do meio do fel do desespero. Ao que, este mundo é muito
misturado...”
Ele acabara de combater
e, na luta, matara pessoas do grupo do Zé Bebelo e que tinham sido, antes, seus
companheiros de bando. Agora lutava contra eles. Carecia mesmo de um motivo
claro, de uma definição precisa, do certo ou do errado, do bom ou do mal...
Riobaldo, o homem sem
certezas, anseia por respostas que não deixem dúvidas, anseia por perder
justamente o que de melhor tem, ou seja, o seu inacabamento, o seu estar em
aberto.
Diadorim não tinha
dúvidas, não tinha medo, desconhecia até esse sentimento. Talvez por isso mesmo
fascinou tanto a Riobaldo, desde o início. Quando se conheceram ele se espantou
ao descobrir que aquele menino nem sabia o que era esse sentimento.
E passará grande parte do
livro tentando se livrar do seu medo, de suas incertezas e inseguranças. E terá
em Diadorim seu maior modelo, pois julga que ele é absolutamente corajoso. Mas
Riobaldo se engana, Diadorim não é corajoso, ele é valente. Ao lhe faltar o
medo fica desprovido também da prudência. Diadorim pagará com a morte seu
desejo cego, inequívoco e absoluto de vingança. Riobaldo ao tentar ser como
Diadorim, ao tentar não sentir medo, não só não alcançará a coragem pretendida
com perderá o amor, ao perder Diadorim.
E Jõe Bexiguento, justo
ele que causou tanta irritação em Riobaldo, resolve contar a estória de Maria Mutema.
E assim, tal qual uma parábola, dá a Riobaldo a chave da compreensão de seus
problemas mais profundos. Essa estória é nuclear no livro, o único conto
completo dentro do livro, e trás em si o núcleo da temática do romance.
Começaremos a falar de Maria Mutema na nossa próxima postagem.
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