quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

30. E Riobaldo vê o desespero de Diadorim com a morte do pai




(Da série “Como João Guimarães Rosa pode mudar sua vida”, parte 30)

- “Mataram Joca Ramiro!...”

Diadorim se desespera. Riobaldo ainda não sabe, mas Joca Ramiro é pai de Diadorim.

“Aí estralasse tudo – no meio ouvi um uivo doido de Diadorim”:

“Diadorim tinha caído quase no chão, meio amparado a tempo por João Vaqueiro. Caiu, tão pálido como cera do reino, feito um morto estava. Ele, todo apertado em seus couros e roupas, eu corri, para ajudar. A vez de ser um desespero. O Paspe pegou uma cuia d’água, que com os dedos espriçou nas faces do meu amigo. Mas eu nem pude dar auxílio: mal ia pondo a mão para desamarrar o colete-jaleco, e Diadorim voltou a seu si, num alerta, e me repeliu, muito feroz. Não quis apoio de ninguém, sozinho se sentou, se levantou. Recobrou as cores, e em mais vermelho o rosto, numa fúria, de pancada. Assaz que os belos olhos dele formavam lágrimas. Titão Passos mandava, o Gavião-Cujo falava. Assim os companheiros num estupor. Ao que não havia mais chão, nem razão, o mundo nas juntas se desgovernava.

– “Repete, Gavião!”

– “Ai, chefe, ai, chefe: que mataram Joca Ramiro...” –

“Quem? Adonde? Conta!”

“Antes mais, o pobre Diadorim. Alheio ele dava um bufo e soluço, orço que outros olhos, se suspendia nas sussurrosas ameaças. Tudo tinha vindo por cima de nós, feito um relâmpago em fato.”

– “... Matou foi o Hermógenes...”

– “Arraso, cão! Caracães! O cabrobó de cão! Demônio! Traição! Que me paga!...” – constante não havendo quem não exclamasse. O ódio da gente, ali, em verdade, armava um pojar para estouros. Joca Ramiro podia morrer? Como podiam ter matado? Aquilo era como fosse um touro preto, sozinho surdo nos ermos da Guararavacã, urrando no meio da tempestade.”

– “... O Hermógenes... Os homens do Ricardão... O Antenor... Muitos...”

“Aquilo foi à traição toda. Morreram os muitos, que estavam persistindo lealmente.”

E todos iam se reunir, para a vingança contra Hermógenes e Ricardão. Era outra guerra, agora.

E Diadorim sofre.

“Que o Hermógenes e o Ricardão de muito haviam ajustado entre si aquele crime, se sabia. O Hermógenes distanciou Joca Ramiro de Só Candelário, com falsos propósitos, conduziu Joca Ramiro no meio de quase só gente dele, Hermógenes, mais o pessoal do Ricardão. Aí, atiraram em Joca Ramiro, pelas costas, carga de balas de três revólveres... Joca Ramiro morreu sem sofrer. – “E enterraram o corpo?” – Diadorim perguntou, numa voz de mais dor, como saía ansiada. Que não sabia-o Gavião- Cujo respondeu; mas que decerto teriam enterrado, conforme cristão, lá mesmo, na Jerara, por certo. Diadorim tanto empalidecesse; ele pediu cachaça. Tomou. Todos tomamos. Titão Passos não queria ter as lágrimas nos olhos. – “Um homem de tão alta bondade tinha mesmo de correr perigo de morte, mais cedo mais tarde, vivendo no meio de gente tão ruim...” – ele me disse, dizendo num modo que parecia ele não fosse também jagunço, como era de se ser. Mas, agora, tudo principiava terminado, só restava a guerra. Mão do homem e suas armas. A gente ia com elas buscar doçura de vingança, como o rominhol no panelão de calda. Joca Ramiro morreu como o decreto de uma lei nova.”

E pela primeira vez cogitam que Riobaldo assuma a chefia do bando. Mas ele recusa.

“ – “Mano velho Tatarana, você sabe. Você tem sustância para ser um chefe, tem a bizarria...” – no caminho o Alarípe me disse. Desmenti. De ser chefe, mesmo, era o que eu tinha menos vontade.”

O bando se reúne com outros também dispostos à guerra e à vingança. E começa a caçada à Hermógenes. Mas até parece que o diabo o faz escapar da tentativa de cerco que armaram, despercebido. E os soldados chegam pra dar combate, complicando tudo. São muitos os confrontos com os praças. E Hermógenes se distancia.  



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