quarta-feira, 5 de setembro de 2012

E Riobaldo fala de como não sabemos, às vezes, que o bom tá ao alcance de nossas mãos:



(Da série “Como João Guimarães Rosa pode mudar sua vida”, parte 7).

Riobaldo diz agora de uma carta que levou oito anos para chegar. E ainda assim chegou a ele. Logo adiante vai narrar seu primeiro encontro com Diadorim, por acaso, os dois ainda crianças. E vai perguntar porque encontrou ele naquele dia.

"Mire veja: aquela moça, meretriz, por lindo nome Nhorinhá, filha de Ana Duzuza: um dia eu recebi dela uma carta: carta simples, pedindo notícias e dando lembranças, escrita, acho que, por outra alheia mão. Essa Nhorinhá tinha lenço curto na cabeça, feito crista de anu-branco. Escreveu, mandou a carta. Mas a carta gastou uns oito anos para me chegar; quando eu recebi, eu já estava casado. Carta que se zanzou, para um lado longe e para o outro, nesses sertões, nesses gerais, por tantos bons préstimos, em tantas algibeiras e capangas. Ela tinha botado por fora só: Riobaldo que está com Medeiro Vaz. E veio trazida por tropeiros e viajores, recruzou tudo. Quase não podia mais se ler, de tão suja dobrada, se rasgando. Mesmo tinham enrolado noutro papel, em canudo, com linha preta de carretel. Uns não sabiam mais de quem tinham recebido aquilo. Ultimo, que me veio com ela, quase por engano de acaso, era um homem que, por medo da doença do toque, ia levando seu gado de volta dos gerais para a caatinga, logo que chuva chovida. Eu já estava casado. Gosto de minha mulher, sempre gostei, e hoje mais. Quando conheci de olhos e mãos essa Nhorinhá, gostei dela só o trivial do momento. Quando ela escreveu a carta, ela estava gostando de mim, de certo; e aí já estivesse morando mais longe, magoal, no São Josezinho da Serra – no indo para o Riacho-dasAlmas e vindo do Morro dos Ofícios. Quando recebi a carta, vi que estava gostando dela, de grande amor em lavaredas; mas gostando de todo tempo, até daquele tempo pequeno em que com ela estive, na Aroeirinha, e conheci, concernente amor. Nhorinhá, gosto bom ficado em meus olhos e minha boca. De lá para lá, os oito anos se baldavam. Nem estavam. Senhor subentende o que isso é? A verdade que, em minha memória, mesmo, ela tinha aumentado de ser mais linda. De certo, agora não gostasse mais de mim, quem sabe até tivesse morrido... Eu sei que isto que estou dizendo é dificultoso, muito entrançado. Mas o senhor vai avante. Invejo é a instrução que o senhor tem. Eu queria decifrar as coisas que são importantes. E estou contando não é uma vida de sertanejo, seja se for jagunço, mas a matéria vertente. Queria entender do medo e da coragem, e da gã que empurra a gente para fazer tantos atos, dar corpo ao suceder. O que induz a gente para más ações estranhas é que a gente está pertinho do que é nosso, por direito, e não sabe, não sabe, não sabe!"

Ou, nas palavras de William Osler, O que importa sobretudo não é deparar com o que vislumbra os olhos mas senão o que temos à mão. Olhe ao redor, nunca para o horizonte distante porque aí está o perigo. Não está aí a verdade senão as falsidades, as fraudes, as charlatanices, os fogos fátuos que tem enganado todas as gerações. Todos eles fazem sinais desde o horizonte e enganam os homens que não se contentam com mirar a felicidade e a verdade que vem a cair sob seus pés.

Ou, na simplicidade de Mário Quintana:


FELICIDADE

Quantas vezes a gente, em busca da ventura,

Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura
Tendo-os na ponta do nariz!

Um comentário:

José Paulo disse...

Às vezes o bom está bem ao alcance de um link nos facebook!