quarta-feira, 3 de abril de 2013

Criança


Toda criança já foi feliz. Toda criança já foi alegre, mesmo que não lembre. Porque a vida está adiante, e ela, que ainda não tem experiência, ludicamente abre os olhos frente ao desafio, se aproxima, e quer conhecer.

Toda criança já amou a vida. Pode deixar de amá-la mas um dia já a amou.

Quando nos queixamos de uma infância infeliz, é porque já perdemos esse início, e nos agarramos na lamentação a posteriori.

Henri Poincaré, Sobre a Ciência e Hipóteses


Duvidar de tudo e crer em tudo são duas soluções igualmente convenientes que nos livram de ter que pensar.

Henri Poincaré, Sobre a Ciência e Hipóteses

NELSON ASCHER - Como você pode pensar assim?



Há poucas coisas mais reconfortantes do que contar com uma visão fechada de mundo

QUEM QUER que tenha procurado entender certas questões, particularmente as que envolvem o panorama internacional, não apenas sem o auxílio das categorias corriqueiras mas também segundo suas próprias luzes, já terá ouvido um interlocutor, entre atônito, assustado e enfurecido, perguntar-lhe: "Como é que você pode pensar assim?".

Inevitavelmente, para o bem de todos e felicidade geral dos convivas (tais incidentes costumam ocorrer em jantares), conclui-se logo que, se uma pessoa acha, por exemplo, que os perigos do aquecimento global não foram ainda demonstrados e que as medidas propostas pelo Protocolo de Kyoto não serviriam para muito, que a Guerra do Iraque não se assemelha à do Vietnã nem terá desfecho semelhante, que o ângulo territorial da crise do Oriente Médio é secundário, encobrindo manipulações demagógicas e motivações etno-religiosas, que desigualdades de renda pouco ou nada contribuem para elucidar as causas da criminalidade e do terrorismo, que, ao contrário do que se supõe, punição, retaliações e guerra são, sim, capazes de resolver diversos problemas, enfim, se alguém ensaia tais pontos de vista, está obviamente (a não ser que alegue insanidade) agindo de má-fé.

O curioso, porém, é que, antes de se chegar ao veredicto acima e à conseqüente sentença, não raro, a surpresa se revela intensa e sincera o bastante até para tolher os primeiros reflexos agressivos, pois não faltam, nem sequer nas rodas mais civilizadas, interlocutores que, enquanto não aplicam ao discordante, dissidente ou herético o tratamento merecido, entremostram, no seu pasmo, que nem esperavam nem haviam sido espiritualmente preparados para encontrar pela frente opiniões, idéias e informações diferentes das suas ou, pior ainda, maneiras distintas de pensar.

Como, durante um devaneio ou outro, eu me sinto tão humano quanto vocês, terráqueos, tampouco resisto, nessas ocasiões, ao acalanto de uma nostalgia que, de quando em quando, me invade, nostalgia menos da inocência perdida do que das certezas abandonadas. Há poucas coisas mais reconfortantes do que contar com uma visão fechada e completa de mundo.

Melhor do que Lexotan, Valium e similares, ela dissipa a angústia dos usuários, convertendo o estranho no conhecido, traduzindo meticulosa e certeiramente acontecimentos inesperados em termos que, além de domesticá-los, asseguram àqueles que seus postulados continuam inabalados e inabaláveis. De resto, o temperamento nacional inclina nossos compatriotas a adotarem concepções que ou negam a existência de conflitos passionais ou, se acaso a admitem, preferem interpretá-los como falhas facilmente corrigíveis de comunicação.

Preço

Que a tranqüilidade mental fique, portanto, de antemão assegurada nem por isso lhe reduz o preço. Qual é este? Talvez o mais alto consista em fazer parecer desinteressantes e insossos precisamente os assuntos cuja natureza, atualidade e complexidade tornariam intrigantes e sempre apetitosos.

Assim é o prisma programadamente tedioso e inapetente através do qual se narra a presente conflagração na Mesopotâmia, que, ao descartá-la como simples aventura imperial do grande vilão capitalista sequioso de petróleo, inibe a formulação de outras tantas indagações pertinentes. Entre elas: como se explica o comportamento de Saddam Hussein? Ele acreditava que o Iraque não seria invadido ou, caso o fosse, que seu Exército repeliria as tropas da coalizão? De onde vinham essas esperanças absurdas? Houve aliados ou simpatizantes seus que tenham lhe dado algum tipo de garantia?

E quanto ao Afeganistão, o que levou o regime dos talebans a se imaginar protegido, invulnerável? Seu verdadeiro fiador era o Paquistão, país que, após breves negociações, entregou aos Estados Unidos, numa bandeja, a cabeça do satélite vizinho: o que é que o presidente paquistanês Pervez Musharraf ganhou ou, mais provavelmente, evitou perder? E por que se passaram quase cinco anos sem novos mega-atentados em solo americano: os jihadistas não tentaram perpetrá-los ou não o conseguiram? Esse fato em si não apontaria para um sucesso parcial da estratégia militar da administração republicana? Como se vê, enigmas e mistérios não faltam, e os que se eximem de investigá-los deveriam, no mínimo, se abster de julgar maçante ou frustrante o mundo contemporâneo.

Mude



Mude! 
Mas comece devagar porque a direção é mais importante que a velocidade.

(Poesia de Clarice Lispector, citada por Rubem Alves, na Folha de São Paulo, em 3/10/06.)

Correção, poema de Edson Marques, erroneamente creditado a Clarice Lispector. Como quem creditou foi o Rubem Alves eu, crédulo, acreditei. O próprio R. Alves já se desculpou pelo engano. Agora é a minha vez. Minhas sinceras desculpas, Edson. Postarei aqui, se você autorizar, o poema inteiro...

Enurese noturna



É considerada se ocorre a partir dos 5 anos de idade.
É primaria quando nunca se teve o controle, e secundária quando acontece algumas vezes.
A causa mais comum é uma deficiência no hormônio anti-diurético. Pode-se tentar tratar com um substituto: a desmopressina. Há também uma opção mais barata, a imipramina, um antidepressivo que deixa o sono mais leve e aumenta o tônus do esfíncter. Mas há efeitos colaterais neste caso.
Tirar do cardápio alimentos que irritam a bexiga e/ou causa prisão de ventre, tais como chocolate, laranja, café e refrigerante de cola. 
Cortar líquidos à noite, 4 horas antes de dormir. Para tal, beber mais líquidos durante o dia. 
Marcar em uma planilha se acorda molhado. Dar lembrancinhas a medida que melhora, para restaurar a auto estima.
Exercícios para a musculatura do assoalho pélvico são possíveis.


terça-feira, 2 de abril de 2013

Viés de confirmação

"O "viés de confirmação" é um funcionamento psíquico freqüente (e catastrófico) no diagnóstico médico, no discurso político e nas brigas de casais. Ele consiste no seguinte: o sujeito procura ativa e seletivamente (embora de maneira inconsciente) dados que confirmem sua hipótese ou o seu preconceito iniciais. O prazer de ter razão prevalece sobre argumentos e informações, produzindo cegueiras.


Com a pesquisa de Westen, as neurociências afirmam algo que a psicologia (social e clínica) sabe há tempo: nosso raciocínio é influenciado por afetos implícitos que nos levam a "minimizar estados afetivos negativos e potencializar estados afetivos positivos". A gente pensa e escolhe não no interesse da verdade, mas para sentir-se bem. O próprio Westen reconhece sua dívida mais antiga: "Freud descobriu esses processos há décadas, usando o termo "defesa" para descrever os processos pelos quais as pessoas adaptam seus resultados cognitivos de maneira a evitar sentimentos desagradáveis como angústia e culpa". 

O que fazer com isso? É possível desistir da verdade, considerando que o mundo é um vasto teatro em que as subjetividades se enfrentam e que o que importa é apenas a versão de quem ganha a luta (retórica ou armada). Ou, então, talvez seja possível amparar a verdade, preservá-la de nossas próprias motivações. Podemos, por exemplo, desconfiar de nossas idéias, sobretudo quando nos sentimos particularmente satisfeitos com o entendimento da realidade que elas nos proporcionam. Pois a verdade (com o curso de ação que, eventualmente, ela "impõe") é geralmente pouco gratificante e de acesso trabalhoso."



CONTARDO CALLIGARIS 

Confiar, com todos os riscos envolvidos


Folha, 28/3/07, comentário sobre o livro “de repente, nas profundezas do bosque”, de Amós Oz.

“Mas os demônios mesmo são a desconfiança e o ceticismo: o castigo dos céticos é duvidar, e duvidar até das dúvidas que eles próprios impõem. E o castigo dos desconfiados é suspeitar de tudo. Suspeitar de si mesmos e das próprias suspeitas.
Amos Oz mais uma vez ensina que o caminho é confiar, com todos os riscos envolvidos. Confiar desarma o estabelecido e abre frestas, intervalos, por onde talvez se escondam palavras novas ou outras palavras há muito tempo emudecidas”.

Noemi Jaffe

Narcisismo



Segundo Calligaris, o narcisismo é uma dependência sofrida da atenção e opinião dos outros, e não uma paixão por si próprio. Em função disso, o insuportável para o narcisista é a invisibilidade.

HIKIKOMORIS



Existem até um milhão no japão. Significa pessoas reclusas. Ou isoladas da sociedade. Quase todos registram no período anterior ao isolamento um fracasso de qualquer natureza. Que desencadeia a sensação de não conseguir corresponder a alguma expectativa da família ou da sociedade.
A sociedade japonesa não tem espaço para as diferenças. É como um trem de um único vagão: quem não consegue embarcar nele fica na plataforma para o resto da vida.
Veja, edição de 14 de abril de 2007.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Diogo Mainardi


"Francesca Martinez, em um depoimento ao Daily Telegraph, declarou que “o
grande segredo da invalidez é que todos aqueles que convivem com ela sabem
que uma pessoa inválida é apenas uma pessoa que amam”.

Em meu primeiro depoimento sobre Tito, esse era o único “grande segredo” que
eu tinha a revelar.

Espantosamente, a paralisia cerebral de Tito, para mim e para Anna, em momento algum representara um motivo de dor. Espantosamente, a paralisia cerebral de Tito, para mim e para Anna, em momento algum representara um peso.

Aos sete meses, Tito era apenas uma pessoa que amávamos."

Diogo Mainardi, em "A Queda", falando sobre seu filho com paralisia cerebral.