terça-feira, 29 de abril de 2014

Sobre macacos e profecias auto-realizáveis



Ele estava apaixonado. Que menina linda. Que menina legal. Tem tudo a ver com ele. O dia foi maravilhoso. O clima, perfeito. E ela também gostou, postou que teve um dia divino.

Mas tá demorando um pouco para responder as mensagens. Ele se pergunta se exagerou no entusiasmo, se ela ficou assustada... E agora, que ele disse claramente que quer vê-la novamente, ela ainda não respondeu... e já se passaram 2 dias...

Já tava quase fazendo uma besteira, mandando uma mensagem grosseira, terminando o que nem tinha começado direito.

O amigo então o chama pra sair e pegar umas meninas. O amigo está magoado depois que sua namorada de anos terminou com ele. E é seu melhor amigo. Eles saem e ele quase fica com uma menina. Tava meio tonto e ela era muito bonita... e a outra ainda sem responder se vai sair com ele ou não. Não estava mesmo a fim, estava com a outra na cabeça. Mas ela não respondeu...

E não é que quando ele volta pra casa vê a mensagem da menina marcando um encontro no domingo?

Contei pra ele a piada do macaco.

O cara dirigia por uma estradinha de terra quando o pneu do carro furou. Era noite. Ele abriu o porta-malas para pegar o macaco e lembrou-se que o tinha esquecido em casa. Desesperou-se, estava no fim do mundo, de noite, sem macaco, como iria fazer? Foi quando enxergou uma luzinha longe, olhou com cuidado e viu que era uma casinha. “Que sorte! Uma casinha aqui! Eles devem ter um carro e aí vão poder me emprestar o macaco.” E foi andando em direção a casinha. Chegando mais perto viu a garagem. “Beleza, tem carro mesmo, que sorte!” Andou mais um pouco. “É, deve ter carro, mas já tá de noite, né? E o povo na roça dorme cedo.” Andou mais. “É, e esse cara deve ter família, ia morar na roça sozinho? Tem família e tá de noite...” Andou mais um pouco.  “É... ele deve ter filhos, filhos pequenos...” Andou mais um tiquinho... “É, deve ter filha também... e tá de noite, e chega um desconhecido, do nada... “ E foi andando ...  “Eu não ia gostar nem um pouco disso, chega um desconhecido na minha casa, sei lá quem é? E pode ameaçar minha família, e pode ameaçar minha filha”... E foi andando e pensando, andando e pensando, e mais, e mais um pouco... Até que chegou a casa, bateu e pouco depois um senhor abriu a porta.
- Pois não?
- Você pega esse macaco e enfia no onde você quiser!
E o homem nem sabia se era um mico, um chipanzé...

Se ele tivesse brigado com a menina antes mesmo de perguntar pra ela o porquê da demora teria precipitado justamente o que ele mais temia.

Na sociologia existe o conceito de profecia auto-realizável.  Um banqueiro faz uma oferta pra comprar um banco. Os proprietários recusam a oferta. O banqueiro articula então um boato que o banco está mal, perto da falência. É mentira, o banco está muito bem. Mas se o boato pega, todos correm pra tirar o dinheiro e o banco quebra. Ai o banqueiro diz “Tá vendo? Não falei que o banco estava mal?” O banco estava bem. Mas esse tipo de profecia é auto-realizável. Se pega, faz a si mesmo acontecer.

Outro exemplo: Alguém tem certeza que não dá para matemática. Chegam as provas e ela não estuda matemática como estuda as outras matérias. Quando saem os resultados vai mal em matemática. E confirma: “tá vendo, não consigo aprender matemática...” Mas ela nem estudou direito.

Um terceiro e muito frequente exemplo: uma pessoa não acredita que é amável, não concebe que pode ser amada por alguém. Ao estar com alguém tem sempre a certeza ou de que será abandonada, ou que será traída, ou ambos. E que isso é só uma questão de tempo. Essa infeliz criatura, tão semelhante a todos nós em alguns momentos, inferniza tanto seus parceiros amorosos com essas certezas que acaba realmente só. E diz, então: “Tá vendo? Eu tinha certeza que ele iria me abandonar, e estava certa!

Não. Ela estava errada. Mas a profecia auto-realizável tem o poder de se fazer realizar. Ela prova que, em se tratando de psicologia, problemas falsos podem gera consequências verdadeiras. Nem sempre geram. Mas que podem, podem.

Foi muito bom o rapaz apaixonado lá de cima ter mantido a calma possível, ter esperado um pouco. Guimarães Rosa já mostrou a ligação entre o medo e a pressa no seu livro Sagarana, dizendo “Pior, pior... Começamos a olhar o medo... o medo grande... e a pressa... O medo é uma pressa que vem de todos os lados, uma pressa sem caminho...” E depois, no se livro Grande Sertão: Veredas mostrou a relação entre o medo e seu anagrama, o demo. E eu mesmo completo dizendo que o medo, a pressa, o demo e ainda a saudade são da mesma turma. Quando convidamos um pra sair acaba indo todo mundo junto. E é bem difícil conviver com essa turminha.



Um comentário:

RENAN RODRIGUEZ disse...

Perfeita avaliação amigo, custei para aprender que a paciência é melhor que a ansiedade, o otimismo que o pessimismo e que o medo mata nossos ideais.