quinta-feira, 26 de julho de 2012

Não quero ser grande



folha de sao paulo, domingo, 25 de julho de 2004.

“A obsessão atual por coisas infantis pode parecer um detalhe trivial, mas a saudade onipresente da infância entre os adultos jovens é sintomática de uma insegurança profunda em relaçao ao futuro. A hesitação em aderir à condição adulta reflete uma aspiração reduzida à independência, ao compromisso e à experimentação.
...
O senso de desespero que cerca a identidade adulta ajuda a explicar por que a cultura contemporânea tem dificuldade em traçar uma linha divisória entre a infância e a idade adulta. A infantilidade é idealizada pela simples razão de que sentimos desesperança ao pensarmos em viver a alternativa. A depreciação da condição adulta é resultado da dificuldade que nossa cultura tem em afirmar os ideais normalmente associados a essa etapa da vida das pessoas.
Maturidade, responsabilidade e compromisso sao afirmados debilmente pela cultura contemporânea. Tais ideais contradizem o senso de impermanência que prevalece no cotidiano. É o esvaziamento gradativo da identidade adulta que desencoraja os jovens, homens e mulheres, a aderir com afinco à próxima etapa de suas vidas”.

Frank furedi, sociologo. 

Nello Nuno



vou subir a escada até a escalada da noite
conversar com o grilo que cricrila em meu ouvido
hoje não tenho casa, nem mulher , nem filho
só existe o curto-circuito na cuca
vou trepar no alcool, minha escada até a inconsciencia
não sou erótico, sensual, nem nada
sou amorfo, amoral, demente
sou o cú da madrugada.
Não quero amor, quero sossego
a manha rosa , e eu negro.
Quero banho quento no banheiro
livro sem letra para ler no assento da privada.

1972.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Haroldo de Campos


Rima petrosa 2


 1.

não
da planta do pé
à palma
da mão

não
em cada
unha
em cada
artelho
do dedo
mínimo ao
dedão

não
da anca
da potranca
à curva do joelho
da cintura
ao tornozelo
do cotovelo
ao pulmão

2.
um não
de pedra
um não
de sola
um não
sem nenhum
senão

em cada fio
de cabelo
em cada
dente
em cada
pelo do
pente
do bico do
seio
ao monte de
vênus
da axila
à virilha
à ilharga
à barriga
da perna
do céu da
boca
à interna
rosa em
botão

3.
mas se de tamanho não
tão unânime um não tão
se dessa massa de nãos
como de massa de pão
fermentar um dia um sim
(por mínimo que seja
o seu roçar de cetim)

então nesse meu
brinquedo (sinistro)
de urso
nesse meu jogo
(triste)
de leão –

a contra-sim
a contra-senso
a contra-mim –

serei eu a
dizer não

4.
um não de sins
o meu não
de fel coado de mel
que para dizê-lo assim tão
no seu esforço de não
(como no rim uma pedra
que endureça de paixão)
será preciso queimar
a mão direita no gelo
ou na chapa do fogão
abrir o peito e morder
(como Aquiles quis fazer
ao rei grego Olho-de-Cão
como fez Madona Loba
ao trovador Cabestão)
esse músculo vermelho
coração que bate sim
encarniçado em seu não.


Haroldo de Campos





Ao afirmar o não a pessoa se posiciona. Talvez ainda não saiba o que quer. Mas já sabe o que não quer, o que já é muita coisa. Toda negação trás em si uma afirmação. Esse poema mostra muito bem isso.

Ou, nas palavras de José Régio...


“Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!”

domingo, 22 de julho de 2012

Nello Nuno


DEPOIMENTO

O simples guarda o enigma que é grande e permanente.
Viver – filosofar depois.
Sentir – pensar depois.
Agir – caminhar os vales e montanhas de Annamélia.
Os filhos, brincar de roda, rodar risadas, sorrir lembranças.
Esta é minha estrada sem atalhos.
Pintura é meu sentir momentos, meu sorrir lembranças, meu brinquedo de vida.
Pássaro branco, cavalo alado, pomba e paz.
É a procura do simples e do alegre. Da ternura e da carne.
Do gesto e da música.
Do grito e do riso.
É o meu amor à vida.

Nello Nuno, 1975.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Stephen Jay Gould - A falsa medida do homem





“Os cidadãos da República, aconselhava Sócrates, deveriam ser educados e depois classificados, de acordo com o seu mérito, em três classes: governantes, auxiliares e artesãos. Uma sociedade estável exige que essa divisão seja respeitada e que os cidadãos aceitem a condição social que lhes é conferida. Mas como é possível assegurar essa aceitação? Sócrates, incapaz de elaborar um argumento lógico, forja um mito. Com um certo constrangimento, ele diz a Glauco:

Falarei, embora realmente não saiba como te olhar diretamente nos olhos, ou com que palavras expressar a audaz ficção... Deve-se dizer a eles [os cidadãos] que a sua juventude foi um sonho, e que a educação e o treinamento que de nós receberam foi apenas uma aparência; na realidade, durante todo aquele tempo, eles estavam se formando e nutrindo no seio da terra...

Glauco, surpreso, exclama: “Tinhas boa razão para te envergonhares da mentira que ías contar.” “É verdade”, responde Sócrates, “mas ainda há mais; só te contei a metade.”

Cidadãos, dir-lhes-emos em nossa história, sois todos irmãos, mas Deus vos deu formas diferentes. Alguns de vós possuís a capacidade de comando e em vossa composição entrou o ouro, e por isso sois os merecedores das maiores honras; outros foram feitos de prata para serem auxiliares; outros, finalmente, Deus os fez de latão e ferro para que fossem lavradores e artesãos; e as espécies em geral serão perpetuadas através de seus filhos... Um oráculo diz que, quando um homem de latão ou ferro recebe a custódia do Estado, este será destruído. Esta é a minha fábula; haverá alguma possibilidade de fazer com que nossos cidadãos acreditem nela?

Glauco responde: “Não na atual geração; não existe maneira de se consegui-lo; mas é possível fazer com que seus filhos creiam nela, e os filhos de seus filhos, e, depois deles, a sua descendência.”

Neotonia

‎"A flexibilidade é a marca da evolução humana. Se os seres humanos evoluíram, como acredito, por neotenia, então somos, num sentido pouco mais que metafórico, crianças que não crescem. (Na neotenia, o ritmo de desenvolvimento mostra-se mais lento, e as etapas juvenis dos antepassados convertem-se nos traços adultos dos descendentes.) Muitas características essenciais de nossa anatomia vinculam-nos às etapas fetais e juvenis dos primatas: o rosto pequeno, o crânio abobadado, o cérebro grande em relação ao tamanho do corpo, o dedo grande do pé não rotado, o foramen magnum na base do crânio, determinando a orientação correta da cabeça na postura ereta, a concentração de pelos na cabeça, nas axilas e na zona pubiana. Se uma imagem vale por mil palavras, observe-se a figura 7.1 . Em outros mamíferos, a exploração, o jogo e o comportamento flexível são qualidades dos jovens, e só raramente dos adultos. Não só conservamos a marca anatômica da infância, como também a sua flexibilidade mental. A idéia de que a seleção natural tenha-se dirigido para a flexibilidade na evolução humana não é uma noção ad hoc nascida da esperança, mas uma implicação lógica da neotenia enquanto processo fundamental da nossa evolução. Os humanos são animais que aprendem.

No romance de T. H. White, The Once and Future King, um texugo conta uma parábola sobre a origem dos animais. Deus, diz ele, criou todos os animais em forma de embriões e chamou-os diante de seu trono, oferecendo-lhes quaisquer adições a sua anatomia que desejassem. Todos optaram por traços adultos especializados: o leão pediu garras e dentes afiados, o cervo chifres e cascos. Por último, veio o embrião humano e disse:

− Senhor, creio que me fizestes na forma que agora ostento por razões que conheceis melhor que ninguém; portanto, mudá-la seria descortês. Se posso escolher, prefiro manter-me como estou. Não alterarei nenhuma das partes que me destes… Continuarei a ser por toda a minha vida um embrião indefeso, fazendo o possível para construir alguns instrumentos com a madeira, o ferro, e os demais materiais que julgastes conveniente pôr ao meu alcance… “Muito bem”, exclamou o Criador em tom jubiloso. “Vinde aqui todos vós, embriões com vossos bicos e outras características, e olhai Nosso primeiro Homem. Ele é o único que adivinhou o Nosso enigma… Quanto a ti, Homem… terás a aparência de um embrião até que te enterrem; mas todos os demais serão embriões diante de teu poder. Eternamente imaturo, sempre conservarás em potencial a Nossa imagem; poderás conhecer algumas de Nossas aflições e sentir algumas de Nossas alegrias. Sentimos pena de ti, Homem, mas também esperança. Agora vai e faze o melhor que puderes.”"


In A Falsa Medida do Homem – Stephen Jay Gould


segunda-feira, 16 de julho de 2012

João Guimarães Rosa - Natal


João Guimarães Rosa, no livro "Grande Sertão Veredas":

"Da mulher - que me chamaram: ela não estava conseguindo botar seu filho no mundo. E era noite de luar, esta mulher assistindo no próprio rancho. Nem rancho, só um papiri à-toa. Eu fui. Abri, destapei a porta - que era simples e encostada, pois que tinha porta; só não alembro se era um couro de boi ou um tranço de buriti. Entrei no olho da casa, lua me esperou lá fora. Mulher tão precisada: pobre que não teria o com que para uma caixa-de-fósforo. E ali era um povoado só de papudos e pernósticos. A mulher me viu, da esteira em que estava se jazendo, no pouco chão, olhos dela alumiaram de pavores. Eu tirei da algibeira uma cédula de dinheiro, e falei: - 'Toma, filha de Cristo, senhora dona: compra um agasalho para esse que vai nascer defendido e são, e que deve se chamar Riobaldo...' Digo ao senhor: e foi menino nascendo. Com as lágrimas nos olhos, aquela mulher rebeijou minha mão... Alto eu disse, no me despedir: - Minha Senhora Dona: um menino nasceu - o mundo tornou a começar!...' - e sai para as luas".

ETAPAS DA VIDA:



Em uma família rica, brasileira:
Século XXVIII:
12,13 anos, primeira menstruação, casamento para a mulher.
13/14 anos primeiro filho para a mulher.
16/17 anos casamento para o homem.
17/18 anos primeiro filho para o homem.
30 anos primeiro neto mulher.
40 anos a mulher morre.
55 anos o homem morre.
Não existe adolescência nem juventude. Passa-se direto da infância para a vida adulta.

1998
Mulher se casa aos 26 e homem aos 27, primeiro filho para a mulher aos 24 anos, homem morre aos 64 anos e mulher aos 70 anos.

Agora, em 2012, estes dados já mudaram... 

AMOR




“Conhecia-se a si. Conhecia a quem amava, conhecia o amor e conhecia o fim onde havia de parar, amando.”
Antonio Vieira

“Tenho por impossível que o amor, onde o há, se contente em ficar em um ser”.
Santa Tereza D’avila.

“O que passa por ser amor por outro indivíduo prova, com frequência, não ser mais do que dependência dessa pessoa. Quem ama somente uma pessoa não ama realmente ninguém”.
Erich Fromm

‎"(...) Amor é o que se aprende no limite, depois de se arquivar toda ciência herdada, ouvida. Amor começa tarde".
Carlos Drummond de Andrade

domingo, 8 de julho de 2012

EZRA POUND - Canto 81



" Sei somente que nada sei." "Cheguei tarde demais à incerteza máxima." "Minhas intenções eram boas mas enganei-me na maneira de alcançá-las. Fui um estúpido. O conhecimento me chegou tarde demais...Muito tarde me chegou a certeza de nada saber."

Pound, um dos maiores poetas americanos, mudou-se para a Itália e apoiou o Facismo durante a Segunda Guerra. Com a derrota dos italianos, foi aprisionado enquanto a América decidia o que fazer com ele, uma vez que a traição poderia ser punida com a pena de morte. Foi nesse contexto que escreveu o poema abaixo, “escrito na gaiola de ferro, cercada de lama, em Pisa, 1945.”



CANTO 81
(Fragmento)
O que amas de verdade permanece,
                                                                                                o resto é escória
O que amas de verdade não te será arrancado
O que amas de verdade é sua herança verdadeira
Mundo de quem, meu ou deles
                                                                              ou não é de ninguém?
Veio o visível primeiro, depois o palpável
                Elísio, ainda que fosse nas câmaras do inferno,
O que amas de verdade é tua herança verdadeira
O que amas de verdade não te será arrancado
A formiga é um centauro em seu mundo de dragões.
Abaixo tua vaidade, nem coragem
Nem ordem, nem graça são obras do homem,
                Abaixo tua vaidade, eu digo abaixo.
Aprende com o mundo verde o teu lugar
Na escala da invenção ou arte verdadeira,
Abaixo tua vaidade,
                                                                                              Paquin, abaixo!
O elmo verde superou tua elegância.
"Domina-te e os outros te suportarão"
                Abaixo tua vaidade
Tu é um cão surrado e largado ao granizo,
Uma pega inchada sob um sol instável,
Metade branca, metade negra
e confundes a asa com a cauda
Abaixo tua vaidade
                               Que mesquinhos teus ódios
Nutridos na mentira,
                               Abaixo tua vaidade,
ávido em destruir, avaro em caridade,
Abaixo tua vaidade                       
                               Eu digo abaixo.
Mas ter feito em lugar de não fazer
                               Isto não é vaidade
Ter com decência, batido
Para que Blunt abrisse
                               Ter colhido no ar a tradição mais viva
ou num belo olho antigo a flama inconquistada
Isto não é vaidade.
                Aqui o erro todo consiste em não ter feito.
Todo: na timidez que vacilou.



Os EUA tiveram dificuldade em condenar a morte seu Carlos Drummond. Então optaram por declarar que ele ficara louco e o internaram por 13 anos em um hospital psiquiátrico.